Contendas do Deserto – Orígenes, Justiniano, Teodora e o caso da Reencarnação no II Concílio de Constantinopla.

Parte V

 

Já vinha coletando críticas aos argumentos aqui expostos e analiso as que achei mais interessantes. Ao fim, encontra-se uma singela despedida e uma bibliografia que será utilíssima para os leitores com gosto pela pesquisa.

 

19  – A Defesa Espírita: Alicerces na Areia da Retórica

20 - O Fim de Dois Sonhos

 

21 – Palavras Finais

 

Para Saber Mais

  

 

19 – A Defesa Espírita: Alicerces na Areia da Retórica

 

 

Não será feita aqui uma análise sistemática de algum artigo específico em favor desses dois mitos, mas um apanhado de opiniões comuns a muitos, algumas afirmações equivocadas  relevantes que encontrei em fóruns e mensagens eletrônicas pessoais, além de alguns artigos do jornal O Tempo. Boa parte do material discutido está baseada no seguinte artigo on line, de autoria de Paulo Neto. Muitos tópicos já foram tratados esparsamente acima e serão revisados aqui.

 

1 - Foram apresentados vários autores que falaram sobre o assunto, inclusive, vários deles fora do meio espírita, para não se colocar sob suspeita essas opiniões, alegando estarmos advogando em causa própria.

 

Ficaria muito estranho, por exemplo, se alguém dissesse não ser comunista, embora te convidasse para assistir a um congresso do PSTU, PSOL ou qualquer outro partido do gênero. Ainda que ele alegue: “olha, meu partido não leva a letra ‘C’ na sigla!”, sua atitude não deixa de ser uma troca de seis por meia-dúzia muito mal disfarçada. Se você praticamente só traz artigos de autores também reencarnacionistas, que diferença faz se são espíritas ou não? É óbvio que terão um viés simpático à ideia de um cristianismo primitivo com reencarnação, ainda que discordem de Kardec em tudo mais. Pouco adianta dizer, por exemplo, que José Reis Chaves era católico à época em que começou a escrever. Se suas teses estavam em tremendo desacordo com o que pregava o Vaticano, então não passavam da visão religiosa pessoal de um leigo (embora ex-seminarista) que precisava de muito pouco para sair de vez. E saiu. (186)

 

Além disso, muitos desses autores não são especialistas em história, ainda mais desse período de nascimento e consolidação do cristianismo. Suas obras têm um caráter mais jornalístico que acadêmico (Prophet, Chaves, Kersten), são para místicos (Bizemont, Brunton), de indianos (Swami Tilak, Prabhupada) ou até mesmo feitas por Ph.D’s -  muitos sem carreira como historiador (Severino Celestino – dentista, John Algeo - filólogo); mas todos reencarnacionistas e com graus variados de distância das fontes primárias, quando dão alguma referência. Não que leigos não tenham nada a acrescentar quando pesquisam por conta própria. O problema surge quando a bibliografia (quando existe) de seus estudos se calca principalmente em outros autores espiritualistas ou faz um uso muito suspeito das fontes primárias, cheio de falácias ao estilo misquotation ou cherry picking. Prophet é um caso típico desse último viés, tendo sido discutido em outra página deste portal. Infelizmente há quem se recuse a analisar as observações feitas – que estão longe de qualquer complexidade-, só aceitando apenas manifestações da própria ou transcrevendo elogios a ela feitos por outros figurões do meio espiritualista. Mal comparando, são como aqueles que se recusaram a ver pela luneta de Galileu.

 

Nem todos autores foram destrinchados aqui. Se um se baseava em outro, esse último foi preferido. Por usei Noel Langley a Edward W. Russel e Geddes MacGregor a John Algeo. Alguns, como Prophet e Léon Denis, já haviam sido comentados em outras partes do portal. E há os que simplesmente eram redundantes em suas informações. Por fim, até por exaustão de tentativas, aparecem autores com formação próxima ao ramo, como Giovanni Reale  e Dario Antiseri. Entretanto, nota-se que quanto mais competente um autor, menor o teor conspiratório de seus textos.

 

De que adianta, então, ler apenas livros que corroboram tuas expectativas e não dialogam entre si pelo confronto de argumentos? Assim, se alguém se gaba por diversos autores não espíritas defenderem esse mito, apenas preferiu navegar em águas calmas, sem encarar as tempestades da contra-argumentação. Sei que não é fácil, pois, ao se deparar com o confronto de duas teses, você pode ficar sabendo até menos do que antes. Porém terá ideia mais clara do que é ainda é matéria em discussão e do que já é consenso. Saberá aquilo que realmente não sabe, o que não tem condição de afirmar categoricamente.

 

 

 

2 – Para defender Teodora você usou um historiador chamado Procópio, que, segundo autores modernos, era um indivíduo pouco confiável.

 

Lembro-me vagamente de uma série de desenhos animados dos anos 80 chamada Gobots (The Challenge of the Gobots, no original). Constituía uma espécie de prima pobre de Transformers, mantendo essencialmente o mesmo argumento desta série melhor sucedida: uma raça de robôs alienígenas - capazes de se transformar veículos - se encontrava em guerra civil e, por força das circunstâncias, traz sua briga aqui para a Terra. De um lado estavam os robôs do Bem, os Guardiões, aliados dos humanos; do outro, os malvados Renegados. Em certo episódio (Renegade Alliance), ambos os grupos travam contato com a poderosa frota espacial de outra raça alienígena (orgânica, porém), cujo comandante decide interferir no conflito após vê-los lutando. Para decidir a qual lado se aliar, ele submeteu os chefes das duas facções a um tipo de detector de mentiras e começou justamente pelo chefe renegado. Malandramente, esse declarou que “os guardiões estão tentando nos eliminar” (ou algo do gênero, não identifiquei bem). O detector indicou que aquilo era verdade e, de fato, o era, só que, como tentou protestar o líder guardião, aquela não “era toda a verdade”. O comandante da frota não quis saber mais nada e teleportou os guardiões de volta para a nave deles, não sem antes avisar que agora era seu inimigo. O resto do episódio é uma corrida contra o tempo para desfazer o mal entendido.

 

Bem, o que tem a ver Procópio com essa nostalgia de um desenho animado? Simples, aqueles que o acusam de ser parcial e nada confiável falam a verdade, mas não “toda a verdade”: esquecem de dizer que seu viés oscila desde a propaganda estatal até a calúnia pura e simples. Um dos autores usados para desqualificar o relato a respeito das 500 prostitutas contido em História Secreta é este:

 

O historiador Procópio, em sua História Secreta, apresenta-nos um retrato muito vivo (mas não muito digno de fé) da vida tempestuosa da filha de um domador de ursos, a qual, na palavra de Diehl, “divertiu, encantou e escandalizou Constantinopla”.

[Giordani, cap. II, p.47]

 

A terceira obra de Procópio, a História Secreta, é considerada por Runciman um conglomerado amargo de mexericos. A “História Secreta” difere, com efeito, fundamentalmente das outras duas e sua autenticidade chegou a ser posta em dúvida pelos críticos. Essa obra é um libelo grosseiro contra Justiniano, Teodora e o próprio Belisário. A Justiniano o autor atribui a causa de todos os males que, então, caíram sobre o Império.

[idem, cap. X, p.192]

 

Bem, vejamos uma expansão do segundo extrato, para dar uma ideia melhor do que realmente Mário Giordani disse sobre Procópio:

 

Na primeira [obra – Guerras de Justiniano] são narradas as guerras de Justiniano contra persas, vândalos, godos e expostos outros aspectos do governo desse imperador. A maneira viva e atraente com que Procópio sabe abordar os problemas militares explica-se pelo contato direto que o mesmo teve com tais problemas quando redigia as ordens do dia, as formações de combate, relações para o imperador, etc.

 

Procópio foi atento observador do meio físico bizantino e humano por onde passou, deixando-nos preciosas informações a respeito dos aspectos culturais e especialmente da constituição política de diferentes povos como vândalos, godos, francos, sírios, árabes, armênios e persas.

 

A segunda obra de Procópio [As Construções de Justiniano] tem por finalidade enumerar e descrever a grande quantidade de monumentos erigidos por Justiniano em toda a vastidão do Império. Deixando de lado o tom laudatório (provavelmente a obra foi erigida por ordem do próprio imperador), as Construções são abundante fonte para estudos de ordem geográfica, topográfica, financeira, econômica e sobretudo artística. É uma indispensável para uma História da Arte Bizantina.

 

A terceira obra de Procópio, a História Secreta, é considerada por Runciman um conglomerado amargo de mexericos. A “História Secreta” difere, com efeito, fundamentalmente das outras duas e sua autenticidade chegou a ser posta em dúvida pelos críticos. Essa obra é um libelo grosseiro contra Justiniano, Teodora e o próprio Belisário. A Justiniano o autor atribui a causa de todos os males que, então, caíram sobre o Império.

 

Podemos dizer que Procópio apresenta nessas páginas o reverso do regime de Justiniano e, apesar da parcialidade do autor, a qual o leva mesmo à calúnia, a História Secreta não deixa de, examinada com critério, constituir fonte preciosa para o estudo da política interna do império.

 

Procópio pode ser considerado o maior vulto da prosa bizantina do século VI e ser colocado “entre os maiores historiadores de todos os tempos”. Seu estilo é lúcido, vigoroso. Descreve com vivacidade e serve-se frequentemente de expressões tomadas a Heródoto e a Tucídides. Nos processos de composição, imita Políbio.

 

[idem, cap. X, p.192] – texto amplo.

 

Ou seja, falta a alguns apologistas espíritas contar que História Secreta é uma lavagem pública de roupa suja. Se há algum viés nela, é no sentido oposto ao que alegam. Curiosamente, Giordano menciona, sem pôr em dúvida a autoria dela, a obra Construções, que possui uma versão idílica do encarceramento das prostitutas. Eis a suprema ironia dos apologistas: querem se livrar da fonte que lhes seria mais útil e deixar intacta de seus ataques a pior para eles.  Procópio, ao esmiuçar a corte, realmente “não é muito digno de fé” só não disseram exatamente por quê.

 

Devo esclarecer, porém, que esse “descuido” pode ser fruto de uma tentativa de harmonização com outra obra que chegou ao meu conhecimento: Teodora, de Carlos Maria Franzero. Nascido em Turim, Itália, em 1892, o jornalista C.M. Franzero residiu na Inglaterra a partir de 1922. Escreveu em inglês e italiano, às vezes sob o pseudônimo de Charles Marie Franzero. Notabilizou-se como biógrafo de personalidades históricas como Nero, Cleópatra, Beau Brummel, Tarquínio e Pôncio Pilatos. Em 1961, lançou um novo livro para sua série: The Life and Times of Theodora. Não foi possível ter em mãos a tradução para o português feita pela Editora Companhia Nacional (Lisboa, 1963), a fonte que foi indicada por apologistas espíritas. Porém, comparando o pequeno extrato que deram o com uma larga passagem do texto original em inglês, diferença gritante aparece:

 

Versão portuguesa (p. 163)

Tradução do portal do texto inglês (p.160)

 

 

 

 

(..)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Apesar de tudo quanto sabia, nunca conseguiu falar senão do escândalo que a Basilissa causava com as suas inconvenientes opiniões. Exagerava as histórias referentes à sua avareza, à sua insolência, ao seu humor autoritário e a excessiva influência que sobre Justiniano exercia – mas não citava fatos susceptíveis de lhe mancharem a reputação.

 

 

 

 

 

(...)

Procópio, o historiador da Corte, que, em seus Diários secretos gostava de registrar com refinamento qualquer mexerico ofensivo contra a imperatriz, de quem ele mais figadalmente (187) desgostava, escreveu dia após dia a relação de suas crueldades, suas perfídias e as infâmias de seus últimos anos; embora ainda não pudesse contrapor a essa mulher tão profundamente corrompida desde os dias de sua infância nenhuma propensão monstruosa após seu casamento com Justiniano. Procópio sentou-se noite após noite preenchendo suas páginas de papiro cultivado em Antioquia com sua elegante escrita grega e podemos imaginar a alegria em seus olhos enquanto refinava os detalhes dos mexericos que tão sagazmente coletara dos toucadores da Corte e das tavernas da Mesa (188): mas tudo o que podia fazer era assinalar os escândalos que a Basilissa Teodora causou com suas opiniões e pontos de vista heterodoxos. Ele exagerava as histórias de sua ganância, de seu humor e insolência autoritários, de sua excessiva influência sobre Justiniano – mas nada havia que pudesse denegrir sua reputação em sua vida privada. O que pode ser feito do episódio de Emon? Era verdadeiro? Ou foi um ato de crueldade desumana, tramado para o propósito de mostrar seu sangue-frio ao assistir ao horrível castigo infligido sobre o pobre sujeito? Era Teodora uma mulher-diabo, era ela uma pervertida no corpo e na alma? O certo é que, naqueles mesmos anos, Teodora apareceu se mostrando como a guardiã dos costumes públicos, ansiosa de ver os sagrados laços do casamento  estritamente respeitados e mostrando uma solicitude zelosa e caridosa para com as prostitutas, cujo estilo de vida conhecera tão bem em sua juventude – uma sensibilidade que lhe deu nada além o escárnio de um escritor contemporâneo que disse ser ela “inclinada a ajudar as mulheres caídas” (189).

 

Para ver um scan do texto original em inglês, clique aqui. Em azul o trecho que deveria corresponder ao apresentado pela edição portuguesa. Não confirmo esta última porque não obtive um exemplar dela, nem resposta do autor do texto onde ele era usado ou dos que o hospedavam. De um lado, tem-se um Procópio a esconder algo do que sabia para não macular a imagem da imperatriz; do outro, ele estaria, sim, atacando a imperatriz impiedosamente, coletando todos os boatos possíveis que chegassem a seus ouvidos. Bem, uma simples leitura de A História Secreta sanaria a dúvida em favor da edição inglesa, assim chego a cogitar se houve algum censor da ditadura salazarista que preferiu adulterar o texto em prol dos “bons costumes”. Se for o caso de uma má tradução, há de se levar isso em consideração pelos apologistas. A questão é por que eles não leram alguma edição de A História Secreta já de domínio público? Há tantas disponíveis on line! Daí vem mais uma crítica vã:

 

 

 

3 – Você se vale de muitas fontes da Internet (como os livros de Procópio utilizados), que são menos confiáveis.

 

Sei que existe muito receio contra fontes on line, alimentadas principalmente devido às polêmicas em torno da confiabilidade de portais colaborativos, como a Wikipedia. O problema é quando esse temor se estende à fontes virtuais que passam muito longe desse modelo. Por exemplo, é possível baixar várias obras de autores clássicos gratuitamente, de diversos portais. Será que, em termos de conteúdo, há alguma diferença entre esses textos e os impressos? “Ah, mas tais obras podem ser alteradas com facilidade!”. Sim, e as impressas também. A diferença seria apenas a velocidade com que isso é feito e disseminado, mas textos em papel podem ser tão fraudulentos quantos os virtuais. A tradução de Franzero exposta acima é só um exemplo. Na Wikipedia, não temos certeza quanto à idoneidade da fonte, coisa que pode ser averiguada em portais cujo mantenedor é bem cotado. LacusCurtius é uma valorosa fonte de autores antigos e modernos da historiografia romana (Procópio e Bury, só para constar) e é mantido pela Universidade de Chicago. Será que há algo contra essa instituição? A edição de Gibbon em língua portuguesa está incompleta e sem suas referência bibliográficas. Deveria alguém fluente em inglês se contentar com ela quando dispõe de um texto completo ofertado pela Christian Classics Ethereal Library? Só por ser uma instituição confessional isso a desqualificaria como fraudulenta, mesmo as polêmicas de Gibbon estando ainda intactas? As clássicas coleções Ante-Nicene Fathers e Nice and Post-Nicene Fathers, que foram usadas por espiritualistas como Prophet, são as mais extensas coletâneas de textos da patrística em língua inglesa já em domínio público e estão disponíveis lá também; então deve se evitar verificação independente das fontes primárias só porque estão on line? Alguém tem alguma prova de adulteração em relação às edições impressas no final do século XIX?

 

Sem falar em textos que são scans de obras clássicas. Nesse caso até erros acidentais de digitação são descartados. Portais como o Google Books, o Documenta Catholica Omnia e outros dão preciosas coleções como Patrologia Graeca, Patrologia Latina e Corpus Scriptorum Historiae Byzantinae. E não se pode esquecer a Monumenta Germaniae Historica, patrocinada pela Biblioteca Pública da Bavária. Todos clássicos da historiografia do século XIX, hoje acessíveis ao grande público graças à revolução da Internet.

 

Óbvio que não se pode dar garantia absoluta de fidelidade. Erros de transcrição escapam a revisões. Scans podem ficar ruins e, quem sabe, até serem modificados por editores de imagem. Agora, se você suspeita que essa ou aquela fonte virtual não é idônea, então, sinto muito lembrar, o ônus da prova é quem acusa, i.e., todinho TEU! Do contrário, fará apenas uma alegação genérica para se esquivar da análise de um texto que lhe seria embaraçoso. Só falta dizer que quer obrigar o oponente a gastar dinheiro comprando livros, inclusive em portais especializados em livros raros e esgotados, em vez de aceitar o que ele lhe traz de graça. Aliás, quem traz coisas que todos podem ler demonstra mais honestidade intelectual que aqueles que usam e cobram apenas fontes mais restritas. Ele se expõe ao risco de ser facilmente revisado e contradito, coisa que seria mais difícil com livros que apenas um dos lados (momentaneamente) possuísse (190).

 

 

 

4 – Muitas de suas fontes (virtuais ou não) estão em inglês, dificultando a leitura do grande público.

 

Quando não estão em latim, grego ou francês! Primeiramente, o inglês é a língua internacional dos tempos modernos e, meu caro, não adianta: você tem que pelo menos ler nesse idioma se quiser ter acesso a maior parte dos trabalhos internacionais! Se você é monoglota, então reconsidere profundamente seu status de pesquisador ou tire um ano sabático para se aperfeiçoar nesse idioma. O mercado editorial em  português engatinha quando comparado com o anglófono. Até nossos hermanos levam vantagem sobre a “última flor do Lácio”.

 

É razoável que se peça algum material que ainda não esteja em domínio público, até para conferência; mas, como não é possível remeter conhecimento linguístico por correio eletrônico, não é nada sensato tolher o universo de pesquisa da outra parte limitando-a ao nosso idioma materno. Quem sairá em maior desvantagem será o leitor, que terá barrado seu acesso a preciosas informações. O que se pode fazer – e tem sido feito aqui – é traduzir os textos sempre que possível. A única exceção que fiz foi para Edward Gibbon e seu “Decline and Fall...” – não me atrevi a verter para o português essa joia da literatura em prosa inglesa.  Esse, recomendo a todos que leiam no original.

 

Vale lembrar que, ao traduzir, uma pessoa se expõe ao risco de cometer algum erro e ser atacado por isso, mesmo que não prejudique o resto do entendimento. Mas isso pode ser até bom, pois é sinal de que o oponente não tem argumentos para refutar...

 

 

 

5 – Teodora “perseguia implacavelmente aqueles que o acaso de seu nascimento lhe são impostos como elementos perturbadores” e era “capaz de mandar matar por uma razão fútil o inseto humano que perturba seus planos”, logo ela era bem capaz de cometer tal crime, não?

 

Tais fragmentos – conforme informado - foram retirados da obra do romancista e professor de História Fèvre [cap X, p. 168; cap. XI, p. 182], porém foram pinçados de um contexto mais interessante:

 

Ao esperar a realização desse sonho [a futura ascensão de um protegido ao poder], que ela só pode pressentir, a imperatriz trata de isolar o casal escolhido para governar depois dela. Os descendentes da família ilírica de Justiniano farão uma oposição incessante à decisão irredutível de Teodora. No silêncio macio da corte, em um cenário de solho da cor púrpura imperial, Teodora persegue implacavelmente aqueles que o acaso de seu nascimento lhe são impostos como elementos perturbadores.

 

***

A mulher atenta à sorte miserável das prostitutas é também a rainha intransigente, capaz de matar por uma razão fútil o inseto humano que perturba seus planos. Uma única e mesma vontade inquebrantável, apossando-se de Teodora na procura insaciável do poder e da glória, explica e dá coerência a tantos traços aparentemente diferentes.

 

O que Fèvre destaca é a contradição entre a implacabilidade de Teodora com aqueles que lhe eram um obstáculo ao poder com sua benevolência para os menos afortunados. Entre esses dois textos [p. 173-4], Fèvre expõe sua reconstituição da política de Teodora para a questão da prostituição:

 

Logo após ter ascendido ao trono do Palácio Sagrado, Teodora procura melhorar a sorte de milhares de prostitutas, em todos os bairros da capital. Em 528, a mulher de Justiniano consegue resgatar, com seus próprios recursos, mais de 500 prostitutas, entre as mais pobres. O dinheiro é pago aos alcoviteiros, que exigem uma indenização, apesar de as pobres mulheres ganharem apenas alguns tostões em pagamento de sua degradação.

 

A Igreja, outro poder tutelar do império, não teria consentido que essas infelizes ficassem perdidas pelas ruas, sem apoio. Para evitar a acusação de impiedade, Teodora não as devolve à perambulação nas ruas sombrias, nas discretas pracinhas. Talvez com o objetivo de encarnar com convicção seu novo papel de imperatriz, faz encerrar as prostituas em um convento fundado para esse fim.

 

Difícil seria dizer se a antiga cortesã, amaldiçoada por todo o clero da capital, agiu por piedade ou por diplomacia. Mas, as pecadoras resgatadas a peso de ouro teriam dispensado uma vida monástica. O novo convento destinado a acolhê-las na capital mostra claramente seus objetivos: todos os habitantes o conhecem pelo nome de convento Arrependimento. Os muros são bastante altos, uma fuga poderia deixar aleijadas as pecadoras que se arriscassem.

 

Essas mulheres devem passar o resto de suas vidas à sombra dos muros e das edificações do convento, mantidas por uma verba significativa doada por sua benfeitora, para a glória de Teodora, destinada ao céu por sua piedosa colaboração para salvar almas em perigo.

 

A louvável iniciativa de resgate das prostitutas não suprimiu a prostituição, moralmente baseada sobre a tolerância pagã, ainda muito presente nas consciências bizantinas. Os alcoviteiros continuam a viver na capital cristã, para contentamento dos aristocratas em busca de prazer ou a distração de qualquer dos homens da cidade. A depravação dos costumes da corte não teve nenhuma evolução sensível sob o reinado de Teodora, as damas de companhia da soberana lembram mais mulheres de soldados do que jovens educadas com distinção e cultura.

 

A moral imperial está salva, o povo pode louvar as preocupações da admirável esposa de Justiniano. Teodora consagra-se a desenvolver a fundação religiosa nos anos seguintes, e muitas outras prostitutas trocam seu modo de vida por uma reclusão perpétua, sofrendo na carne para salvar a alma e meditar sobre o destino excepcional de sua benfeitora.

 

Pode-se notar, embora Fèvre não cite claramente suas fontes, o uso feito da Crônica de Malala e de duas obras de Procópio (História Secreta  e Das Construções), além de outras não identificadas. Apesar das alfinetadas de ironia com que insinua ser o combate a prostituição apenas propaganda, ele passa longe de qualquer acusação de chacina. Ou seja, um dos próprios autores usado pelos apologistas tem uma visão mais positiva do episódio.

 

 

 

6 – Não se pode deixar de pensar que algo grave estaria acontecendo para que algumas delas se jogassem dos parapeitos dos muros do convento, buscando a morte certa. Não poderia ser por que alguém as estaria torturando ou mesmo as matando?

 

Isso tudo é especulação. Pelo menos três coisas enfraquecem essa tese: primeiro, Teodora gastou muito dinheiro na construção e embelezamento de Arrependimento, o que não seria condizente a um lugar destinado a ser simples matadouro. Segundo, o convento durou muito além de Teodora, durando até o século XI (vide cap. X desta seção). Era, portanto, uma obra destinada ao longo prazo. Por último, O casal imperial não tinha meias-palavras na hora de decretar a repressão e morte a esse ou àquele grupo social ou religioso. Isso foi visto na apresentação feita aqui do código de Justiniano (vide cap. VI), porém na Novella XIV (vide cap. IX) o tom do decreto imperial é contra o tráfico de seres humanos, não contra as prostitutas em si.

 

Dado o viés, digamos, “de oposição” contido em História Secreta, há de se pensar, também, se seu relato não seria uma espécie de contrapropaganda, destinada a mostrar que um programa social do governo não era tão idílico assim; algo não muito diferente do que os políticos de hoje ainda fazem. De fato, como comentaram Fèvre (item anterior), Evans e Cesaretti (vide cap. X), é provável que muitas preferissem a incerteza quanto ao almoço de dia seguinte à clausura numa gaiola de ouro.

 

 

 

7 – Por acaso a História registraria o assassinato das quinhentas prostitutas?

 

A História, eu não sei; mas a História Secreta sem dúvida registraria. Aí que reside a ironia: a fonte mais virulenta contra Teodora é silente sobre isso, nem fala de Orígenes. Essa pergunta revela uma atitude preconceituosa, calcada na ideia de apenas os vencedores registram a História. Às vezes escritos dos perdedores escapam e chegam até nós. A História Secreta  é um exemplo disso (191). Seu autor foi um indivíduo extremamente ressentido, mas que nada pôde fazer para mudar os rumos do governo. Só lhe sobrou registrar suas mágoas para a posteridade.

 

Ademais, a crença de que ninguém registraria essa suposta chacina esconde uma contradição: se autores reencarnacionistas falam desse episódio, então alguém o documentou. Resta saber se este cronista viveu no século VI ou depois do século XIX, aproveitando o frenesi espiritualista.

 

 

 

8 – Poucos autores relatam esse episódio de que Teodora teria mandado matar as quinhentas prostitutas. Um deles é Kersten, teólogo alemão, que tem uma vasta referência bibliográfica, que nos leva a crer na seriedade de seu trabalho de pesquisa. Chaves é o outro que, independentemente de Kersten, relata o episódio, embora não informe sua fonte nem garanta sua veracidade.

 

Referência bibliográfica extensa eu também tenho e daí? Se apenas isso basta para fazer minha pesquisa séria, oba! Excetuando MacGregor – por seu livro possuir um nível mínimo de pesquisa historiográfica – não pus nenhum outro autor espiritualista nela. Todos os demais são citados (e refutados) ao longo do texto, mas não recomendo como fonte de estudos para ninguém, pelo simples motivo que, quando confrontados com fontes primárias ou autores clássicos, revelam bases factuais frágeis. O livro de Chaves, por exemplo, está cravejado de erros – muitos frutos de informações de segunda-mão vindas de fontes não acadêmicas. Já, Kersten é digno de grande ceticismo, como foi dito na nota nº 59, ainda mais que, recentemente, “dizem” ter encontrado a sepultura de Jesus e sua família em Israel, em vez de na Índia... Ademais, Kersten alude ao nome de Procópio em seu relato e foi por isso que o primeiro cronista bizantino analisado aqui foi ele. Fica, então, muito estranho atribuir a Kersten uma boa pesquisa e desmerecer uma das fontes que ele usa.

 

Enfim, se você acha que quantidade pode ser sinal de qualidade, boa sorte! Eu, particularmente, preferiria uma edição condensada de um único autor clássico (i.e. consagrado por crítica e público) a uma colcha de retalhos feita de obras que só corroboram umas às outras, sem que seu organizador tenha feito um confronto genuíno entre argumentos antagônicos. Por exemplo, o fato de que mesmo autores espiritualistas como MacGregor e Prophet, capazes de certo manejo de fontes primárias, serem silentes quanto a um episódio que lhes seria tão útil pode ser até um indicativo de que a pesquisa de Kersten e Chaves não é tão boa assim.

 

 

 

9 – Esse episódio do assassinato das prostitutas é irrelevante, pois a única coisa que poderia fornecer é a razão pela qual Teodora teria influenciado o marido para agir contra as idéias reencarnacionistas.

 

Conforme as fontes primárias expostas aqui, há evidência de que a segunda crise origenista chegou à corte vinda de baixo, levada por monges palestinos. Assim, haveria importância para o episódio entre Teodora e as prostitutas como indicativo para avaliar a qualidade da pesquisa de certos autores espiritualistas. Afinal é muito estranha a adoção de uma teoria conspiratória em detrimento de uma história bem mais “pé no chão”. Além de quê, a suposta chacina revelou-se tão popular entre o meio espírita, que se tornou uma verdade por ser repetida à exaustão. Se é para desfazer um mito, melhorando a historiografia espiritualista, vale a pena destrinchar o que realmente aconteceu. Mas, por ser um tanto chato brincar de detetive, aparecem reações como esta aqui:

 

 

 

10 – A questão se resume em quem nós devemos acreditar, pois o fato de outros autores não falarem no caso não o torna fictício, inclusive, pode não ser citado nem mesmo pelos historiadores que poderiam avaliar que tal episódio não merecesse entrar para a história. Entretanto, como só temos Procópio como fonte, mesmo sem a termos como inverídica, julgamos prudente, caso, aguardar que nos apareça, pelo menos, uma outra fonte que relate a chacina. Vimos isso em vários outros autores, mas uns nem mesmo citavam uma fonte; outros apenas citavam Chaves e Kersten.

 

A questão é que, até agora, nenhum cronista da época fala da chacina! E alguém que teria tudo para fazer esse episódio “entrar para a história” – Procópio – não o faz, por mais que você queira ler nas entrelinhas, e muito menos o relaciona com o II Concílio de Constantinopla. Mas não fique esperando que apareça uma fonte da chacina no seu colo, pois, como o ônus da prova cai sobre quem afirma, é teu o dever de descobrir onde essa suposta fonte está. Não é dever daqueles que chama de “detratores” provar que Teodora tratava as prostitutas a pão de ló e, mesmo que o fosse, provar uma negativa é extremamente difícil. Duas estratégias podem ser feitas: a primeira seria fazer uma busca exaustiva por todos os cronistas do período (Procópio, João Lídio, João de Éfeso, Evágrio Escolástico, Malala, Facundo de Hermiano, Liberato de Cartago, Cirilo de Citópolis, etc.col  Evag ser feitas: (1) uma busca exaustiva por todos os cronistas do perser um tanto chato brincar de detetive, aparecem re). Foi o que tentei  e ... nada! Chegou a hora de se trabalhar um pouco e trazer alguma novidade para nós, em vez de somente trazer meros recortes de livros espiritualistas. A outra linha que vislumbro é rastrear, a partir dos autores que tem, até encontrar a fonte do boato episódio. O problema é que se acaba por perder o fio da meada, pois muitos dos deles nem sequer fonte dão.

 

Então, será que não é caso de reavaliar seu próprio material de pesquisa? Talvez não se queira “largar esse osso” de vez porque isso implicaria em admitir certos vícios na metodologia de vários autores prezados por espiritualistas.

 

 

11 – Quanto à participação de Justiniano no Concílio, temos essa informação dos vários autores que citamos, cuja convocação se deu por sua iniciativa, não de uma autoridade religiosa. Podemos ver isso nos autores: Chaves, Russel, Prophet, Kersten, Andrade, Reale e Antiseri, Santesson, Mello, Atkinson, Prieur, Champlin e Bentes, Tendam, Miranda, Prabhupada, Tilak, Bizemont, e, por fim, Pompas; ao todo, dezessete autores. Como uns não citam os outros, temos que convir que, sendo as fontes diferentes, não há como pensar em conluio de todos, e, muito menos, como sendo um boato.

 

Um momento! Quem disse que boatos precisam de conluio? A principal característica de um boato é sua espontaneidade, a forma como agentes individuais cuidam para espalhá-lo de forma veloz e independente. O resultado final é que boatos, a maioria das vezes, não têm pai nem mãe, pois sua origem se perde na noite dos tempos. Não é incomum, também, que a informação se corrompa ao passar de uma boca à outra (192).

Só para alertar, na bibliografia de Chaves podem ser encontrados os nomes de Auken, Prabhupada, Prophet, Prieur, H. C. Miranda e Atkinson, mostrando que sua obra (Reencarnação na Bíblia e na Ciência) não é tão independente assim. Isso não significa que tenha “agido em conluio” com eles: é provável que simplesmente  tenha apanhado os livros que tinha disponíveis na prateleira, passando equívocos adiante até por boa-fé e excesso de confiança. Hans Tendam (Panorama da Reencarnação) também possui Atkinson em sua bibliografia e, dessa forma, esses três autores se interligam.

Se formos rastrear os livros usados, um novo tipo de dificuldade pode surgir: Atkinson (A Reencarnação e a Lei do Karma), por exemplo, não possui bibliografia e as referências que dá ao longo do texto deixam muito a desejar. Enfim, puxa-se o fio e nada há na outra ponta. Ainda que todos os autores fossem aparentemente independentes (i.e., nenhum mencionasse o outro) e tivessem boas práticas para referências, nada impediria que, ao rastrear suas fontes e as fontes das fontes, se encontrasse um autor comum entre eles; esse, sim, a origem do boato, tal como as folhas de uma árvore derivam de ramificações de um mesmo tronco (193). Vasculhando até onde as referências dadas permitem, tais relações indiretas afloram à superfície: J.V. Auken (Reencarnação) tem um apêndice dedicado a Edgar Cayce, o que o deixa em contato com E. W. Russel (Reencarnação -  O Mistério do Homem), visto o fato de ele usar Noel Langley, que escreveu uma obra dedicada a Cayce. Manuela Pompas (Reencarnação) usou pelo menos quatro autores em comum com Bizemont (Annie Bésant, Alexandra David-Neel, Denise Dejardins e Joan Grant), sendo que um deles (Bésant) também aparece em Chaves e Tendam.

 

Portanto, não é preciso conluio para a boataria se espalhar. Mesmo assim, deve-se admitir que até relógios enguiçados marcam a hora certa ao menos duas vezes por dia: de fato, Justiniano participou e interveio no II Concílio de Constantinopla, da mesma forma que seus antecessores intervieram em outros. A questão é de que jeito ele foi movido a agir e o que realmente isso teve a ver com o origenismo.

 

12 - Quanto ao motivo da convocação do Concílio encontramos como sendo para anatematizar as idéias de Orígenes, especialmente a preexistência. Todos esses autores que acabamos de citar, de um jeito ou de outro, acabam falando disso.

 

E muitos deles não informam a respeito da primeira crise origenista dos séculos IV/V, da luta entre ortodoxos e origenistas na Palestina, do cisma entre origenistas moderados e radicais, dos anátemas contra as opiniões mais heterodoxas do origenismo de então e muito menos falam do jogo de intrigas que levou à questão dos Três Capítulos – a principal causa do Concílio e oportunidade aproveitada pelos ortodoxos palestinos.  Em suma, é uma omissão da complexidade do jogo de poder bizantino muito conveniente para a criação de uma teoria conspiratória.

 

 

 

13 - Apesar de muitos dizerem que Orígenes não acreditava na reencarnação, o que parece não ser verdade, haja vista ele ser platônico de mão cheia, temos algumas informações que poderão ajudar aos nossos leitores a perceberem para qual lado poderá pender o fiel da balança:

 

O vigor com que o imperador Justiniano proscreveu e destruiu livros e documentos heréticos deixou poucos registros que permitissem às gerações subsequentes saber o que outros cristãos haviam ensinado e acreditado a respeito da doutrina da reencarnação. Só no Oriente Próximo, Justiniano mandou matar mais de um milhão de hereges. (Paul Brunton, Ideias em Perspectiva, Pensamento, 1990, p. 118).

 

O que explica o fato de não se encontrar muita coisa mais sobre a reencarnação, devido a essa “queima de arquivo”.

 

Bem, Agostinho de Hipona também era platônico e adepto da danação eterna, e daí? Se Orígenes assinasse em baixo de tudo que Platão escreveu, como iria refutar o pagão Celso? Na verdade, a principal característica dos filósofos cristãos platônicos era equiparar o eterno, único, espiritual e verdadeiro “Mundo das Idéias” platônico com Deus, e não uma simples adoção da reencarnação. Clemente, antecessor de Orígenes na escola catequética de Alexandria, já dizia:

 

Mas mesmo aqueles mitos de Platão (em A República, o de Hero [i.e. Her] o armênio; e o em Górgias, o de Éaco e Radamanto; e em Fédon, o de Tártaro; e em Protágoras, o de Prometeu e Epimeteu; e além destes, o da guerra entre os atlantes e os atenienses no Atlântico) devem ser explanados alegoricamente, não de forma absoluta em todas as suas expressões, mas naquelas que expressam o sentido geral. E essas encontraremos indicadas pelos símbolos sob o véu de alegoria.

 

Miscelâneas (Stromateis), V, 9

 

Por outro lado, Platão e os neoplatônicos encaravam o mundo material como um reflexo imperfeito e mutável do Mundo das Ideias e que, na verdade, seria uma criação de um demiurgo inferior, uma prisão da qual a alma deveria se libertar para retornar ao Mundo das Ideias. Assim, para não cair numa espécie de dualismo similar aos gnósticos, os filósofos cristãos também tomaram de empréstimo do estoicismo seu conceito de Pneuma (Sopro), uma espécie de Logos (Verbo, Palavra) divino. Tal princípio, segundo os estoicos, suscita, penetra e anima todos os corpos espirituais e materiais e, ao permearem o Cosmos, garantiria sua unidade como sendo um único grande corpo movido pelo sopro divino. O imutável se manifestaria pela existência de diversos ciclos idênticos na história do Cosmos, movidos por tal princípio.

 

Assim, nunca era possível a um filósofo cristão encaixar integralmente uma doutrina moldada para o mundo pagão sem fazer alguma seleção, mixagem ou adaptação à tradição que os fiéis estavam acostumados e, se preciso fosse, ser realmente original nas questões de interesse doutrinário onde a filosofia grega nada tinha a dizer. Para vencer esse desafio, Orígenes se mostrou altamente eclético:

 

Ele [Orígenes] concorda com a teleologia da física estoica, mas ataca seu materialismo, o panteísmo e determinismo de sua cosmo-biologia cíclica. Ele aceita plenamente sua concepção de lei natural e “noções comuns” de Deus e do bom e do mal. A austera ética estoica, enfatizando a escolha racional e livre de paixões,  também é muito atrativa. Mas, em última análise, a atuação humana deve ser baseada no amor de Deus e graça divina. Orígenes também é atraído para argumentos usados na teodiceia estoica. Sua postura em relação a aristotelismo é bem distante. Conhece bem a lógica aristotélica, mas admite os perigos da minuciosa dialética. As limitações de atuação da providência e das doutrinas da eternidade do mundo e do quinto elemento são todas francamente rejeitadas.

 

Como outros cristãos, Orígenes considera Platão como o maior dos filósofos gregos, embora o condene por não abandonar completamente o politeísmo.  Orígenes aceita muito da visão de mundo platônica, mais notavelmente a divisão da realidade em uma inteligência, ou domínio espiritual, e um domínio físico. A concepção de Orígenes sobre Deus como uma mente divina imutável e impassível, não sujeita ao tempo ou ao espaço, transcendendo plenamente o mundo da realidade física que criou, é fortemente influenciada pelas interpretações platônicas contemporâneas dos diálogos de Platão. Seu pensamento, contudo, é mais teocêntrico e influenciado pela forma como Filo e Clemente antes dele uniram o platonismo a concepções bíblicas. Por essa razão, lê-se pouco sobre as “Ideias” platônicas em Orígenes, mas muito mais sobre o Logos e o Santo Espírito. Há também doutrinas platônicas que Orígenes rejeita firmemente, tais como a opinião de que o foi feito a partir de matéria pré-existente e nunca chegará a um fim. Para Orígenes, as almas não são incriadas e eternas, mas feitas por Deus do começo. Discorda fortemente da doutrina de Platão da transmigração das almas. Entretanto, sua própria doutrina da queda das almas por livre escolha e possível retorno final a Deus (v. Apokatastasis) mostra similaridades estruturais à metafísica de conversão e retorno como foi desenvolvida no neoplatonismo através da filosofia de Plotino (194).

 

The Westminster Handbook to Origen, verbete Philosophy.

 

De fato, a transmigração humano-animal não era compatível com o sistema de De Principiis, pois, em um corpo animal, razão e livre-arbítrio estariam inevitavelmente limitados, justamente os dois pilares em que Orígenes assentou sua teologia. Talvez Orígenes tenha levantado essa hipótese na versão grega de De Principiis, tal como sugere Jerônimo em sua carta a Ávito (n. 124), mas, como era comum Orígenes confrontar hipóteses antes de tomar partido de uma, é provável que a tenha rejeitado. A lógica de seu sistema exigia isso. A transmigração humano-humano é rechaçada nos escritos mais tardios de Orígenes (Comentário sobre João livro VI, cap. VII e Comentário sobre Mateus livro XI, cap. VII) e não chegaram até nós indícios de ser discutida, ainda que especulativamente, no De Principiis original. O que os indícios apontam para uma transmigração inter-domínios (anjos, corpos celestes, humanos e demônios) e inter-eras (195). A inspiração para essas características tem fontes mais judaico-cristãs do que gregas: a crença de que demônios eram “anjos caídos” e a história da “queda de Adão” relatada em Gênese evidenciam duas mudanças de domínio; a divisão do estado da criação em “primordial” (antes da queda), “atual” e “vindouro”, identifica ao menos três eras distintas. A inovação de Orígenes está em também cogitar a ascensão de um domínio para outro em um número não especificado de eras.

 

Passemos, então, à verificação da informação apresentada pela citação de Paul Brunton. Antes de tudo, convém mencionar que esse autor não é especialista em história bizantina, mas um jornalista inglês que, após uma estadia na Índia, se tornou uma espécie de “guru ocidental”. Já vi alegarem que Paul Brunton teria sido eleito “o homem mais sábio da Inglaterra”, embora nunca dissessem quem contou os votos dessa eleição (196). A obra “Ideias em Perspectiva” não é nem sequer algo que se possa chamar de livro, mas um apanhado póstumo de anotações feito por admiradores e discípulos em seus cadernos. Sendo assim, não há nenhuma bibliografia ou referência nela. Entretanto, foi viável encontrar a possível origem do “fato” relatado:

 

Os drusos (197) são os únicos representantes modernos dos assassinos exterminados. Como eles, são ismaelitas, seu declarado fundador é Hakim, um califa fatímida do Cairo (198), que se considerava a nova encarnação da Mente de Deus. Sua noção de que o local atual de seu sempre ausente Grão Mestre é a Europa corresponde com bastante curiosidade à teoria de Von Hammer sobre o relacionamento que existiu entre os Templários e o real progenitor dos drusos. Esses mesmos drusos talvez também representem os “politeístas e Samaritanos” que floresceram tão vigorosamente no Líbano até tão tardiamente quanto os tempos de Justiniano, a cuja perseguição Procópio atribui o extermínio de um milhão de habitantes somente daquele distrito. De seu atual credo, preservado com segredo inviolado, jamais algo autêntico veio à luz; a crendice popular entre seus vizinhos  faz deles adoradores de um ídolo em forma de bezerro e, para celebrar suas reuniões noturnas, [fazem] orgias como aquelas atribuídas aos ofitas (199) em Roma, aos templários (200) nos tempos medievais e aos maçons (continentais) (201) nos modernos.

 

King, Charles William, The Gnostics and their Remains, parte V, p. 413 [grifos do autor]

 

Ou seja, por vias tortas, retorna-se ao famigerado Procópio! Agora, pelas mãos de C. W. King, um joalheiro da Inglaterra vitoriana que procurou em The Gnostics and their Remains reunir tudo que havia sobrado de informações sobre o antigo gnosticismo. A obra se encontra ultrapassada hoje, pois, além não ter podido contar com o material da biblioteca de Nag Hammad (descoberto em 1945), King se vale de teses hoje um tanto duvidosas ou imprecisas. A própria referência a Procópio exposta acima é um tanto obscura. Em História Secreta, mais especificamente no capítulo XVIII, ele dá cifras para as mortandades ocorridas nas campanhas da África e da Itália e, mas nada específico para o Levante. No cômputo total de mortos do império, Procópio dá um valor mais simbólico do que preciso de um trilhão de mortos. Na verdade, o entendimento dessa cifra é um tanto controverso. Em  Decline and Fall..., Gibbon deixou a seguinte nota ao final do capítulo XLIII:

 

After some figures of rhetoric, the sands of the sea, &c. Procopius (Anecdot. c. 18) attempts a more definite account: that µ????da? µ????d?? µ???a? had been exterminated under the reign of the Imperial demon. The expression is obscure in grammar and arithmetic, and a literal interpretation would produce several millions of millions. Alemannus (p. 80) and Cousin (tom. iii. p. 178) translate this passage, “two hundred millions”; but I am ignorant of their motives. If we drop the µ????da? the remaining µ????d?? µ?????, a myriad of myriads, would furnish one hundred millions, a number not wholly inadmissible.

 

Tradutores mais recentes de Procópio dão esclarecimentos quanto ao simbolismo desse número. H.B. Dewing, na edição Loeb, observa que “o cubo de dez mil não é a linguagem de um cômputo exato e Procópio está tentando fazer parecer uma forte ocorrência contra Justiniano”. Peter Sarris, na edição da Penguin Classics, traduz como “dez mil vezes dez mil vezes dez mil” (i.e, um trilhão) e faz um paralelo com a Bíblia:

 

A estimativa de Procópio não pretende, obviamente, ser tomada mais literalmente que o dez mil vezes dez mil e milhares de milhares de S. João [Ap. 5:11], ou os milhares de dez mil da descendência de Rebeca [Gn 24:60] na Bíblia.

 

Como algumas (202) edições inglesas trazem “million million” (um milhão de milhão) e, nesse mesmo capítulo, Procópio faz uma rápida alusão aos “samaritanos e heréticos” (203), poder-se-ia pensar que uma leitura apressada de King associou esses dois grupos a “um milhão”. Entretanto, a origem mais provável do relato de King deve ter vindo do capítulo XI de História Secreta, onde uma mais detalhada descrição é feita do aconteceu numa região próxima ao atual Líbano:

 

E quando uma lei similar [obrigando conversão à ortodoxia] foi imediatamente emitida, afetando também os samaritanos, uma confusão indiscriminada varreu a Palestina. Então, todos os residentes de minha própria Cesareia e de todas as outras cidades, considerando-a como uma tolice para submeter a qualquer sofrimento em defesa de um dogma sem sentido, adotaram a denominação de cristãos no lugar da que então seguiam e, por meio desse disfarce conseguiram se safar do perigo oriundo da lei. E todos entre eles que eram pessoas de alguma prudência e racionalidade não demonstraram nenhuma relutância em aderir lealmente a essa fé, mas a maioria, sentindo ressentimento que, não por sua própria escolha, mas sob coação da lei, tiveram de abandonar a crença de seus pais, instantaneamente foram favoráveis aos maniqueus e politeístas, como eram chamados.  E todos os agricultores, tendo se reunido em grande número, decidiram se rebelar contra o imperador, lançando como seu imperador um certo bandoleiro de nome Juliano, filho de Savaro. E travando combate com os soldados, suportaram por algum tempo, mas finalmente foram derrotados na batalha e pereceram junto com seu líder. E diz-se que cem mil pereceram nessa luta e a terra, que era a melhor no mundo, tornou-se, em consequência, destituída de agricultores. E para os donos de terra que era cristãos, isso deixou consequências muito sérias. Pois lhes foi incumbida, como um tipo de coerção, pagar para sempre ao imperador, ainda que não estivesse auferindo nenhuma renda da terra, a imensa taxa anual, já que não se mostrou nenhuma piedade na administração dessa atividade.

 

Então, finalmente encontramos um texto de Procópio envolvendo “samaritanos e politeístas” ao relatar a revolta samaritana de 529. O total de cem mil mortos (dez miríades, no original) pode ter sido corrompido para um milhão ao passar para o livro de King (204). Caso se continuasse um encadeamento, Brunton colocou todos os mortos como reencarnacionistas e, depois, outros espiritualistas intuíram que deveriam ser origenistas.  Óbvio que isso é uma especulação de como a informação teria se deteriorado. É plausível e o melhor que pôde ser feito com o material fornecido, pois o simples fato de que nenhum autor de King a Chaves - que também cita Brunton – ser capaz de dizer de onde a informação saiu torna impossível a eliminação de qualquer dúvida. Vale lembrar, porém, que dar solidez ao argumento nesse caso é tarefa daqueles que usam esses autores, não deste portal.

 

Resta, então, analisar a última frase:

 

“O que explica o fato de não se encontrar muita coisa mais sobre a reencarnação, devido a essa ‘queima de arquivo’.”

 

Bem, a estrutura básica de qualquer teoria conspiratória é esta:

 

O fato X deve ser verdadeiro. O fato Y é o (suposto) motivo de sua veracidade não ser comprovada. Logo X é verdadeiro.

 

O problema é que, a maioria das vezes,  Y é extremamente difícil de verificar. Além de descartar a possibilidade de hipóteses alternativas mais simples – como a inexistência da reencarnação em seus escritos - a justificativa de “queima de arquivo” é insuficiente para comprovar a existência da reencarnação nessas obras perdidas. Faltam várias coisas para que ela atinja um algum grau de solidez:

 

1.    Efetivamente comprovar a “queima de arquivo” realizada junto a um extermínio de origenistas (205). Se a única fonte para isso, como visto acima, deixa muito a desejar, melhor não usá-la nem como hipótese. De fato, após a condenação de Orígenes era esperado um declínio na circulação de suas obras, principalmente nas regiões onde o monacato enfrentou a ameaça de origenistas durante a segunda crise (Síria, Egito e, principalmente, Palestina). A questão é o quão a destruição dos livros foi sistemática nas demais regiões? Fócio, já no século IX, ainda podia ler De Principiis sem apelar para a versão latina, justo ele que seria um dos patriarcas de Constantinopla. Como já discutido acima, Orígenes pode ter sido perdido simplesmente por deixarem de copiá-lo. Assim, há de se cogitar se desleixo e destruições de bibliotecas feitas por guerras podem ter feito o resto. A maior perda, provavelmente, deve ser sua coletânea de cartas, onde Orígenes talvez sanasse as dúvidas de outros a respeito de seu pensamento.

2.    Como será visto abaixo, muitas das “sugestões” de reencarnação saem de obras que chegaram até nós, como Contra Celso e De Principiis, em vez citações feitas por adversários de obras hoje perdidas. Então, qual foi a real eficiência dessa “queima”?

3.    À exceção de um, que nada tem a ver com reencarnação, todos os anátemas de 543 e 553 se referem a afirmações contidas em De Principiis (mesmo com a suavização de Rufino) na obra pós-origenista Kephalaia Gnostika. Portanto, o material de pesquisa ainda está disponível.

4.    É interessante ver o que os adversários de Orígenes (Epifânio, Teófilo, Jerônimo, Justiniano, etc.) mencionam quando o acusam disso ou daquilo citam apenas trechos pequenos de seus trabalhos, deixando de fora todo o raciocínio anterior ou o caráter especulativo da obra.

 

E justamente algo similar a essa última fraqueza que levou ao próximo equívoco espírita.

 

 

 

14 - Outro fator que influi muito nas informações é quando o autor tem mais compromisso com o dogmatismo religioso do que com a verdade. Muito se tem feito em nome da fé, em detrimento do que realmente ocorreu, onde as versões se ajustaram aos interesses das igrejas que, muitas das vezes, estavam mais preocupadas em manterem-se no poder do que salvar uma só “ovelha perdida”, função pela qual deveria ser sua razão de existir.

Entretanto, sabemos que essa questão de Orígenes, realmente, é por demais complexa; contudo, as coisas podem não ser como parecem ou como querem que sejam:

1 -Tudo Sobre a Reencarnação

Hans Stefan Santesson

2 - Contra Celso – Orígenes

Tradução Orlando dos Reis - Paulus

1.1 - “Não está mais de conformidade com a razão que todas as almas, por algumas razões misteriosas (falo agora de acordo com as opiniões de Pitágoras, Platão e Empédocles, que Celso freqüentemente menciona), sejam introduzidas num corpo de acordo com seus méritos e antigos atos? Não é racional que as almas que usaram seus corpos para fazer maior bem possível tenham direito a corpos dotados de qualidade superiores aos corpos dos demais?” (p. 125,-126).

“Não será mais de acordo com a razão que cada alma, introduzida num corpo por razões misteriosas – falo aqui nos termos da doutrina de Pitágoras, Platão e Empédocles, citados por Celso – seja assim introduzida por seu mérito e seu caráter anteriores? Portanto, é provável que esta alma, mais útil por sua incorporação à vida humana do que a de grande número de pessoas, para não parecer preconceituoso dizendo de todas, tenha tido necessidade de um corpo que, não só se distingue dos corpos humanos, mas também é superior a todos.” (Livro I, 32, pp; 73-74).

1.2 - “A alma, cuja natureza é imaterial e invisível, não existe em local material sem ter um corpo apropriado à natureza do lugar; conseqüentemente, deixa um corpo que lhe era necessário antes, mas que não é mais adequado ao seu status modificado e troca-o por outro”. (p. 126).

“... a alma, que por sua própria natureza é incorpórea e invisível, precisa, quando se encontra num lugar corporal qualquer, de um corpo apropriado por sua natureza neste lugar. Ela carrega este corpo depois de ter abandonado a veste, necessária antes, mas supérflua para um segundo estado, e a seguir, após tê-lo revestido por cima com aquela veste que tinha inicialmente, porque precisa de uma veste melhor para chegar às regiões mais puras, etéreas e celestes.” (Livro VII, 32, p. 567-568).

2 - Como os teólogos refutam...

Mário Cavalcanti de Mello

2.1 - “A alma sendo imaterial e invisível não pode existir em nenhum lugar material, sem revestir corpos apropriados a este lugar; ela rejeita, num dado momento, um corpo que era necessário até aí, mas do qual não tem mais necessidade, e ela o troca por um outro. (Cont. Celso – liv. VII, c. XXXII)” (p. 153).

2.2 - “Celso ignora completamente o objetivo de nossos escritos; a interpretação dada por ele é que os leva ao descrédito e não a sua verdadeira significação. Se ele houvesse refletido sobre o que é necessário a uma alma destinada à vida eterna, se ele houvesse pensado na natureza de sua essência e do seu princípio, não teria tornado ridícula a entrada do que é imortal em um corpo mortal, entrada que se efetua, não segundo o ensinamento platônico da metempsicose, mas segundo uma visão mais elevada deste fato. (Cont. Celso, liv. IV, c. XVIII)”. (p. 151).

“Celso, portanto, não viu de modo algum a intenção de nossas Escrituras; por isso ele investe contra a própria interpretação, e não contra a das Escrituras. Se tivesse compreendido o destino da alma na vida eterna futura, e o que sua essência e origem implicam, não teria criticado dessa forma a vida do ser imortal num corpo mortal, explicada não segundo a teoria platônica da metensomatose, mas numa perspectiva mais elevada. (Livro IV, 17, p. 291-292).

2.3 - “Se o nosso destino atual não era determinado pelas obras de nossas existências passadas, como poderia Deus ser justo permitindo que o primogênito servisse ao mais jovem e fosse odiado, antes de haver cometido atos merecendo a servidão e o ódio?....

Só as vidas anteriores podem explicar a luta de Jacó e Esaú antes de seu nascimento, a eleição de Jeremias durante o tempo em que estava ainda no seio de sua mãe... e tantos outros fatos que atirarão o descrédito sobre a justiça divina, se não forem justificados por atos bons ou maus, cometidos ou praticados em existências passadas. (Cont. Celso --, I, III)” (p. 153).

Não encontrado

Veja a diferença entre os textos da publicação católica com os dos outros escritores. Parece-nos que a verdade é mesmo diferente para o lado que se julga vencedor; não é mesmo? Assim, vale essa opinião: “Para poder se fazer uso das citações dos Padres é preciso primeiro estabelecer o texto original dos escritores patrísticos, pois estes sofreram um processo de corrupção e revisão comparável ao dos manuscritos bíblicos”. (BARRERA, 1999, p. 411).

 

Concordo plenamente que muitos autores estão mais comprometidos em defender seu próprio credo do que com a verdade. Eu mesmo citei no capítulo XVIII diversas fontes patrísticas que foram adulteradas por espiritualistas para sugerir a crença em reencarnação. Parece que alguns ignoram que, na prática da falsificação, os dois lados podem brincar. Claro que um espiritualista é tentado a pensar que “os seus” jamais fariam algo do gênero, como se certos defeitos e fraquezas fossem inerentes a certas “igrejas” e não algo pertencente à natureza humana. Se bem que eu lembro nitidamente de um conselho que me deram nos meus tempos de mocidade espírita: “Não confie em alguém só porque ele é espírita”. Nada mais verdadeiro nesse caso, apenas generalizando um pouco mais para incluir os espiritualistas (206).

 

Também concordo que a questão de Orígenes é bem complexa, o problema é quando, em vez de encarar essa dificuldade, ela é usada como uma “cortina de fumaça” para encobrir fatos que possam contradizer suas teses. Assim é possível ser enganoso falando a verdade e um caso disso é justamente fazer menção a alterações passadas como se fossem provas para suspeitas modernas. O procedimento correto seria analisar cada caso independentemente, como manda a boa prática da crítica textual.

 

Se é para reconstituir o texto original de  Contra Celso, então temos uma surpresa: foram justamente eclesiásticos que preservaram os manuscritos que chegaram até nós. Conforme consta na tradução inglesa de Chadwick [introdução, p. xxix], todos os textos de Contra Celso  conhecidos hoje dependem de duas tradições: uma é representada por alguns extratos preservados pela antologia Philocalia, feita no século IV por Gregório de Nissa e Basílio, e a outra, com o texto complexo, vem do manuscrito Vatic. Gr. 386 (ou texto A) e seus descendentes. Aliás, junto com os manuscritos de Diálogo com Heráclides, em Tura, foram descobertos manuscritos dos livros I e II que indicam a existência dessa tradição desde o século VI. Portanto, não importa que seja espiritualista o tradutor, ele terá de se basear da mesma fonte que católicos usaram.

 

Antes de partir para análise do texto grego, será feita uma confrontação entre o que dizem esses pequenos extratos citados por espiritualistas e algumas traduções estrangeiras consagradas, cujo histórico é sumarizado por Chadwick [introdução, p.xxx – xxxii]

 

O texto de Contra Celsum foi pela primeira vez impresso por David Hoeschel e publicado em Augsburgo em 1605. Esse texto foi reimpresso por William Spencer, Membro do Trinity College, Cambridge, e publicado pela University Press em 1658 (2ª ed. 1677). Uma edição melhor foi produzida pelo beneditino C. Delarue (Paris, 1733), reimpressa nos volumes XVIII-XX da acessível edição de Lommtzsch (Berlim, 1845-6) e também reimpressa na Patrologia Graeca de Migne (XI, 1857).

 

O texto padrão atual é o elaborado pelo falecido Dr. Paul Koetschau (207) para o corpus da Academia de Berlim. Essa edição foi baseada na investigação crítica da tradição manuscrita feita por Armitage Robinson, Neumann e o próprio Koetschau. Sua base é o texto A, do qual Koetschau colacionou os livros I – III, Neumann os livros IV – VIII, Fui capaz de checar as colações por meio de fotocópias do manuscrito.

 

(...)

 

A primeira tradução inglesa foi produzida no século dezoito e inclui apenas aos primeiros dois livros. O nível de acurácia não é elevado. A primeira tradução completa para o inglês foi a feita por F. Crombie e W.H. Cairns para a Ante-Nicene Christian Library (vols. X e XXIII, Edimburgo, 1869-72). Essa é uma tradução útil, baseada no texto de Delarue; provê pouco ou nada por meio de notas explanatórias.

 

O texto usado como a base da presente tradução [a de Chadwick] é o de Koetschau. Todas as variantes de seu texto são comentadas em notas. Ocasionalmente, nas notas textuais, as referências a Contra Celsum dão não apenas ao livro e capítulo, mas também, em colchetes, a página e linha em Koetschau. Referências a outras obras de Orígenes são para a edição do Corpus de Berlim, onde isso esteja disponível. Onde não está, usei Lommatzsch.

 

Bem, sabendo da validade das versões inglesas e do texto grego de Migne, comecemos pelo livro I, 32:

 

Tudo Sobre a Reencarnação, de Hans Stefan Santesson (cap. V, p.125-6)

Reencarnação, de Manuela Pompas (cap. II, p. 66)

Against Celsus, tradução inglesa de Ante-Nicene Fathers (Crombie & Cairns)

Contra Celsum, tradução inglesa de Henry Chadwick, p.32

Contra Celso – Orígenes, tradução de Orlando dos Reis – Paulus (p.73-4)

Não está mais de conformidade com a razão que todas as almas, por algumas razões misteriosas (falo agora de acordo com as opiniões de Pitágoras, Platão e Empédocles, que Celso freqüentemente menciona), sejam introduzidas num corpo de acordo com seus méritos e antigos atos? Não é racional que as almas que usaram seus corpos para fazer maior bem possível tenham direito a corpos dotados de qualidade superiores aos corpos dos demais?

Não será talvez mais de acordo com a razão que cada alma, por certas misteriosas razões, seja introduzida em um corpo e que isto ocorra segundo seus méritos e suas ações anteriores?

Or is it not more in conformity with reason, that every soul, for certain mysterious reasons (I speak now according to the opinion of Pythagoras, and Plato, and Empedocles, whom Celsus frequently names), is introduced into a body, and introduced according to its deserts and former actions?  It is probable, therefore, that this soul also, which conferred more benefit by its residence in the flesh than that of many men (to avoid prejudice, I do not say “all”), stood in need of a body not only superior to others, but invested with all excellent qualities.

Or  is it more reasonable (and I say this now following Pythagoras, Plato, and Empedocles, whom Celsus often mentions) that there are certain secret principles by which each soul that enters a body does so in accordance with its merits and former character? It is therefore probable that this soul, which lived a more useful life on earth than many men (to avoid appearing to beg the question by saying ‘all’ men), needed a body which was not only distinguished among human bodies, but also superior to all others.

Não será mais de acordo com a razão que cada alma, introduzida num corpo por razões misteriosas – falo aqui nos termos da doutrina de Pitágoras, Platão e Empédocles, citados por Celso – seja assim introduzida por seu mérito e seu caráter anteriores? Portanto, é provável que esta alma, mais útil por sua incorporação à vida humana do que a de grande número de pessoas, para não parecer preconceituoso dizendo de todas, tenha tido necessidade de um corpo que, não só se distingue dos corpos humanos, mas também é superior a todos.

 

Óbvio que não se deve esperar que todas as traduções coincidam letra por letra, afinal cada tradutor tem seu próprio estilo. Não há por que implicar se um usa “seis” e outro, “meia-dúzia”. O que pode, sim, ser crítico são discrepância capazes de mudar todo o sentido original. Para assinalar essa problemática, foram sublinhadas as principais diferenças entres os textos e parece haver algo de podre nas traduções espiritualistas. Além de serem mais curtas que as traduções estrangeiras (e a nacional) elas também diferem entre si! Ainda que o fato de Pompas terminar a citação antes não chegue a comprometer, ela omite um aposto onde Orígenes deixa claro que não está expondo ideias suas, mas de Pitágoras, Platão e Empédocles. Por outro lado, ela usa na primeira frase uma expressão no singular (“cada alma”), como nas demais traduções, ao passo que Santesson a passa para o plural (“todas as almas”). Santesson mantém o primeiro aposto, mas omite outro aposto na última frase, passa para o plural outra expressão (“as almas” x “esta alma”) e torna a frase interrogativa. E o que, afinal, traz o texto grego de Contra Celso?

 

Sem descer a pormenores linguístico, sabendo um pouco da transliteração das letras do alfabeto grego e seguindo atrás de palavras com inicial maiúscula para achar nomes próprios, até um leigo pode constatar a presença do aposto de Manuela Pompas omite. As ocasiões onde a palavra “alma” (????) aparece são em expressões no singular (???st?? ????? – “cada alma” - e ta?t?? t?? ????? – “esta alma”) (208). O início da segunda frase (????? ??? – “Provável, portanto”) indica que ela é uma afirmação, e não um pergunta. Logo, são as versões inglesas e a dos católicos nacionais que mantêm fidelidade ao texto grego.

Extrato do final do capítulo XXXII do primeiro livro de Contra Celso, disponível no portal Documenta Catholica Omnia. Também encontrado em Patrologia Graeca, vol. XI, cols. 721 e 724.

 

Talvez algum espiritualista alegue que seus autores trabalharam em cima um texto grego diferente recém-descoberto. É um argumento válido, contanto que se esclareça uma coisa: qual foi a fonte que eles usaram? Santesson  e Pompas não dão pista alguma a respeito disso. O primeiro nem sequer bibliografia tem, Pompas não incluiu nenhum livro de Orígenes na sua, indicando que sua citação foi indireta. Dorothée Bizemont (cap. I, p. 29) faz citação idêntica a de Santesson e inclui De Principiis e Contra Celso em sua bibliografia. O problema é que ela não diz de qual edição eles saíram. É duvidoso, também, que esses três tenham lido realmente Contra Celso, pois nenhum dá referência explícita a qual parte do livro a citação saiu, tendo ela sido encontrada por comparação. Assim fica difícil considerá-los fontes confiáveis e o extrato que trazem ganha um cheiro forte de hoax.

 

O capítulo XXXII do primeiro livro é relativamente curto. Vale a pena ler todo o raciocínio de Orígenes para afastar qualquer dúvida:

 

Voltemos às palavras atribuídas ao judeu: a mãe de Jesus foi expulsa pelo carpinteiro que a tinha pedido em casamento, por ser culpada de adultério e ter engravidado de um soldado chamado Pantera, e vejamos se os autores desta fábula de adultério da Virgem com Pantera e repudiada pelo carpinteiro não a forjaram cegamente para poderem negar a conceição milagrosa pelo Espírito Santo. Efetivamente, por causa de seu caráter inteiramente miraculoso, eles poderiam ter falsificado a história de outra maneira, mesmo sem admitir involuntariamente, por assim, dizer, que Jesus não tinha nascido de matrimônio comum. Era muito natural que aqueles que não admitem o nascimento milagroso de Jesus forjassem alguma mentira. Mas fazer isso sem nenhuma base e mantendo que a Virgem não tinha concebido Jesus de José fazia escancarar a mentira a toda pessoa capaz de discernir e refutar ficções. Seria uma coisa razoável, com efeito: o homem que tanto fez pela salvação do gênero humano para que todos, gregos e bárbaros, enquanto dependesse dele, na espera do juízo de Deus, se abstivessem do vício e fizessem tudo para agradar ao Criador do universo, este homem não tivesse nascimento miraculoso, mas o mais ilegítimo e vergonhoso de todos os nascimentos? Pergunto aos gregos e mais particularmente a Celso, o qual, compartilhando ou não suas ideias, cita Platão: aquele que faz as almas descerem aos corpos dos seres humanos acaso levará ao nascimento mais vergonhoso do que qualquer outro, sem o mesmo o introduzir na vida humana por um nascimento legítimo, o ser que arrostaria tantos perigos, instruiria tantos discípulos, afastaria para longe a onda de vício da massa humana? Não será mais de acordo com a razão que cada alma, introduzida num corpo por razões misteriosas – falo aqui nos termos da doutrina de Pitágoras, Platão e Empédocles, citados por Celso – seja assim introduzida por seu mérito e seu caráter anteriores? Portanto, é provável que esta alma, mais útil por sua incorporação à vida humana do que a de grande número de pessoas, para não parecer preconceituoso dizendo de todas, tenha tido necessidade de um corpo que, não só se distingue dos corpos humanos, mas também é superior a todos.

 

Orígenes, Contra Celso, I, XXXII, tradução de Orlando dos Reis

 

Ou seja, Orígenes pretendia refutar o ceticismo de Celso em relação ao nascimento miraculoso de Jesus, já estabelecido na proto-ortodoxia cristã. Para isso, ele se valeu da estratégia de usar paganismo contra paganismo: se, conforme próprias teses dos filósofos gregos, cada alma receberia um corpo de acordo com seu mérito, então um ser excepcional como Jesus também deveria ter sido dotado de um corpo especial. Assim, pela própria lógica pagã, a crença numa concepção virginal não seria absurda. Antes que alguém reclame que isso é inviável pela ciência, etc. e tal, devo alertar que eu – como bom agnóstico – também não acredito nessa história, mas reconheço, diante dessa evidência, que Orígenes não só cria nisso como também saiu em defesa da concepção virginal. Era o que Orígenes professava, cabe a qualquer pesquisador respeitar esse fato, sob pena de defender não a verdade, mas algum viés moderno. Especialmente quando escolhem um fragmento a dedo e o mutilam.

 

Passemos, agora, para o livro VII, cap. XXXII

 

Tudo Sobre a Reencarnação, de Hans Stefan Santesson (cap. V, p.126)

Against Celsus, tradução inglesa de Ante-Nicene Fathers (Crombie & Cairns)

Contra Celsum, tradução inglesa de Henry Chadwick, p. 420

           

Contra Celso – Orígenes, tradução de Orlando dos Reis – Paulus (p. 567-8).

 

 

 

 

 

 

A alma, cuja natureza é imaterial e invisível, não existe em local material sem ter um corpo apropriado à natureza do lugar; conseqüentemente, deixa um corpo que lhe era necessário antes, mas que não é mais adequado ao seu status modificado e troca-o por outro.

Our teaching on the subject of the resurrection is not, as Celsus imagines, derived from anything that we have heard on the doctrine of metempsychosis; but we know that the soul, which is immaterial and invisible in its nature, exists in no material place, without having a body suited to the nature of that place.  Accordingly, it at one time puts off one body which was necessary before, but which is no longer adequate in its changed state, and it exchanges it for a second; and at another time it assumes another in addition to the former, which is needed as a better covering, suited to the purer ethereal regions of heaven.

We do not talk about the resurrection, as Celsus imagines, because we have misunderstood the doctrine of reincarnation, but because we know that when the soul, which in its own nature is incorporeal and indivisible, is in any material place, it requires a body suited to the nature of that environment (209). In the first place, it bears this body after it has put off the former body which was necessary at first but which is now superfluous in its second stated. In the second place, it puts a body on top of that which it possessed formerly, because it needs a better garment for the purer, ethereal, and heavenly regions.

... não é, como acredita Celso,  por ter compreendido mal a doutrina da metensomatose que nós falamos de ressurreição; mas é porque sabemos que a alma, que por sua própria natureza é incorpórea e invisível, precisa, quando se encontra num lugar corporal qualquer, de um corpo apropriado por sua natureza neste lugar. Ela carrega este corpo depois de ter abandonado a veste, necessária antes, mas supérflua para um segundo estado, e a seguir, após tê-lo revestido por cima com aquela veste que tinha inicialmente, porque precisa de uma veste melhor para chegar às regiões mais puras, etéreas e celestes.

 

Compare bem o trecho da coluna de Ante-Nice Fathers que NÃO está sublinhado com aquele fornecido por Santesson. São quase uma tradução um do outro. O que Santesson não fez, nem alguns apologistas espíritas por aí (210) fizeram, foi mostrar o que vinha antes e depois. Para ser mais preciso, a completa explicação desse trecho se encontra logo em seguida:

 

Ao nascer para o mundo, ela abandonou a placenta que era útil à sua formação no seio de sua mãe enquanto nela se encontrava; revestiu por baixo o que era necessário a um ser que viveria na terra.

 

Além disso, como existe uma morada terrena da tenda, que é necessária de certa maneira à tenda, as Escrituras declaram que a morada terrena da tenda será destruída, mas que a tenda revestirá “uma morada não feita por mão humana, eterna no céu” (cf. II Cor 5). E os homens de Deus dizem: “Este ser corruptível revestirá a incorruptibilidade” (I Cor 15:53), que é diferente do que é corruptível, “este ser mortal revestirá a imortalidade”, que é diferente do que é imortal. Realmente, a mesma relação que tem a sabedoria com o que é sábio, a justiça com o que é justo, a paz com o que é pacífico, existe igualmente entre a incorruptibilidade e o que é incorruptível, entre a imortalidade e o que é imortal. Repara, pois na exortação que nos faz a Escritura ao dizer que revestiremos a incorruptibilidade e a imortalidade; como vestes para aquele que delas se revestiu e que por elas é envolvido, elas não permitem que quem por elas é envolvido seja sujeito à corrupção ou à morte. Eis o que tive a ousadia de dizer porque não compreendeu o que entendemos por ressurreição, e aproveitou a oportunidade para ridicularizar uma doutrina que não conhece.

 

Orígenes, Contra Celso, VII, XXXII, tradução de Orlando dos Reis

 

Parodiando essa última frase, outros entenderam o Orígenes queria dizer, mas tiveram a ousadia de pinçar um fragmento específico de seu discurso para obter um sentido completamente oposto ao da explanação completa. Orígenes menciona apenas duas transições: uma relacionada ao nascimento físico e uma segunda que corresponderia à ressurreição em corpo espiritual pregada por Paulo, a quem cita. Nada a ver com transições em sucessivas vidas terrenas.

 

Passemos, agora, para o  livro IV, cap. XVII

 

2 - Como os teólogos refutam..., de Mário Cavalcanti de Mello (p. 125)

Against Celsus, tradução inglesa de Ante-Nicene Fathers (Crombie & Cairns)

Contra Celsum, tradução inglesa de Henry Chadwick, p. 195.

           

Contra Celso – Orígenes, tradução de Orlando dos Reis – Paulus (p. 291-2).

Celso ignora completamente o objetivo de nossos escritos; a interpretação dada por ele é que os leva ao descrédito e não a sua verdadeira significação. Se ele houvesse refletido sobre o que é necessário a uma alma destinada à vida eterna, se ele houvesse pensado na natureza de sua essência e do seu princípio, não teria tornado ridícula a entrada do que é imortal em um corpo mortal, entrada que se efetua, não segundo o ensinamento platônico da metempsicose, mas segundo uma visão mais elevada deste fato. (211)

Celsus, then, is altogether ignorant of the purpose of our writings, and it is therefore upon his own acceptation of them that he casts discredit, and not upon their real meaning; whereas, if he had reflected on what is appropriate to a soul which is to enjoy an everlasting life, and on the opinion which we are to form of its essence and principles, he would not so have ridiculed the entrance of the immortal into a mortal body, which took place not according to the metempsychosis of Plato, but agreeably to another and higher view of things.

Celsus does not understand de meaning of our scriptures at all. On this account his criticism touches his own interpretation and not that of the Bible. If he had understood what is appropriate for a soul which will have everlasting life, and what is the right view of its essence and origin, he would not have ridiculed in this way the idea of an immortal person entering a mortal body; (our view here does not accept the Platonic doctrine of the transmigration of souls, but a different  and more sublime view).

Celso, portanto, não viu de modo algum a intenção de nossas Escrituras; por isso ele investe contra a própria interpretação, e não contra a das Escrituras. Se tivesse compreendido o destino da alma na vida eterna futura, e o que sua essência e origem implicam, não teria criticado dessa forma a vida do ser imortal num corpo mortal, explicada não segundo a teoria platônica da metensomatose, mas numa perspectiva mais elevada.

 

Não sei qual é o problema aqui. Todas as traduções dizem a mesma coisa, cada uma a sua maneira. O texto oferecido por Mário Cavalcanti é praticamente uma tradução da edição de Ante-Nicene Fathers. Chadwick e Orlando dos Reis fizeram um texto mais enxuto, e mesmo assim continuam passando a mesma informação. O que talvez chame a atenção de alguns seja a questão de um grupo de palavras em especial: metempsicose / transmigração das almas / metensomatose. Bem, seriam elas sinônimos ou não? 

 

A palavra utilizada por Orígenes é metensomatose (µete?s?µ?t?s??), o que deixa a tradução de Orlando dos Reis a mais literal nesse ponto. Metensomatose significa “troca de corpos” e se nessa troca estiverem incluídos corpos de animais, então haverá intercambialidade com os significados de “metempsicose” e “transmigração”. De fato, o próprio Orígenes assim pensava em Contra Celso:

 

Desta forma, quando os egípcios, para se gabarem de sua doutrina sobre os animais, alegam razões teológicas, transformaram-se em sábios. Mas se admitimos a lei e o legislador dos judeus, se referimos tudo ao Deus único, criador do universo, somos menos considerados aos olhos de Celso e de seus adeptos, do que se rebaixarmos a divindade não apenas aos seres vivos racionais e mortais, mas ainda a seres privados de razão, o que transcende o mito da metensomatose referente à alma que cai da abóbada do céu e desce ao nível dos animais irracionais, não só domésticos mas também os mais ferozes.

 

Orígenes, Contra Celso, I, XX, tradução de Orlando dos Reis

 

Portanto,  conforme a própria opinião de Orígenes, seria possível equiparar “metensomatose”, “metempsicose” e “transmigração”, sendo que as outras traduções parafrasearam um pouco ao utilizar palavras mais correntes.

 

Por fim, vamos ao  livro I, cap. III

 

2 - Como os teólogos refutam..., de Mário Cavalcanti de Mello (p. 153)

Against Celsus, tradução inglesa de Ante-Nicene Fathers (Crombie & Cairns)

Contra Celsum, tradução inglesa de Henry Chadwick, p. 8.

           

Contra Celso – Orígenes, tradução de Orlando dos Reis – Paulus (p. 43).

Se o nosso destino atual não era determinado pelas obras de nossas existências passadas, como poderia Deus ser justo permitindo que o primogênito servisse ao mais jovem e fosse odiado, antes de haver cometido atos merecendo a servidão e o ódio?....

Só as vidas anteriores podem explicar a luta de Jacó e Esaú antes de seu nascimento, a eleição de Jeremias durante o tempo em que estava ainda no seio de sua mãe... e tantos outros fatos que atirarão o descrédito sobre a justiça divina, se não forem justificados por atos bons ou maus, cometidos ou praticados em existências passadas.

After this, Celsus proceeding to speak of the Christians teaching and practising their favourite doctrines in secret, and saying that they do this to some purpose, seeing they escape the penalty of death which is imminent, he compares their dangers with those which were encountered by such men as Socrates for the sake of philosophy; and here he might have mentioned Pythagoras as well, and other philosophers.  But our answer to this is, that in the case of Socrates the Athenians immediately afterwards repented; and no feeling of bitterness remained in their minds regarding him, as also happened in the history of Pythagoras.  The followers of the latter, indeed, for a considerable time established their schools in that part of Italy called Magna Græcia; but in the case of the Christians, the Roman Senate, and the princes of the time, and the soldiery, and the people, and the relatives of those who had become converts to the faith, made war upon their doctrine, and would have prevented (its progress), overcoming it by a confederacy of so powerful a nature, had it not, by the help of God, escaped the danger, and risen above it, so as (finally) to defeat the whole world in its conspiracy against it.

After this he says that Christians performe their rites and teach their doctrine in secret, and they do this with good reason to scape the death penalty that hangs over them. He compares the danger  to the risks encountered by the sake of philosophy as by Socrates. He could also have added ‘as by Pythagoras and other philosophers’. I reply to this that in Socrates’ case the Athenians at once regretted what they had done, and cherished  no grievance against him or against Pythagoras; at rate, the Pythagoreans have a long time established their schools in the part of Italy which has been called Magna Graecia. But in the case of Christians the Roman Senate, the contemporary emperors, the army, the people, and the relatives fought against the gospel and would have hindered it; and it would have been defeated by the combined force of so many unless he had overcome and risen above opposition by divine power, so that it has conquered the whole world as conspiring against it.

Em seguida diz ele: Às escondidas os cristãos praticam e ensinam o que lhes convém. Têm uma boa razão de assim agir: a pena de morte que paira sobre suas cabeças. E compara esse risco aos riscos que um Sócrates corre pela filosofia. E poderia ter acrescentado: um Pitágoras e outros filósofos. Ao que podemos responder: no caso de Sócrates, os atenienses logo se arrependeram e não guardaram ressentimento contra ele, e tampouco (outros) com relação a Pitágoras: pelo menos os discípulos de Pitágoras fundaram durante muito tempo suas escolas na parte da Itália chamada Magna Grécia. Mas, no caso dos cristãos, o Senado romano, os imperadores contemporâneos, o exército, o povo, os parentes dos fiéis, em guerra contra o cristianismo, teriam barrado e vencido a este pela conspiração de tantas forças, se ele, pelo poder divino, não houvesse ultrapassado e superado a oposição, até vencer o mundo inteiro conjurado contra ele.

 

É... Pelo visto o trecho ofertado por Mário Cavalcanti de Mello nada tem a ver com o das edições. E notem que o capítulo III do primeiro livro é bem curto e foi todo transcrito nelas. No texto grego não se consegue ler nada que lembre os nomes de Esaú (??sa?) ou Jacó (??a??ß), apenas Pitágoras (???a???a?) e Sócrates (S????t??).

 

 

De onde, então, Mário Cavalcanti de Mello retirou esse texto? Algum outro lugar de Contra Celso, tendo apenas errado a referência? O portal New Advent possui a mesma edição de Contra Celso usada em Ante-Nicene Fathers, porém deixa que cada livro ocupe uma página inteira, facilitando uma busca digital. Assim, as ocasiões onde os nomes de Esaú e Jacó aparecem juntos são (livro, capítulo): IV,43; IV,46 e V,59. Nenhuma chega perto da passagem acima. Então, de onde esses textos saíram?

 

Na verdade, a citação constante em “Como os Teólogos Refutam“ não passa de um pastiche de outra obra de Orígenes – De Principiis – nessa, sim, é possível encontrar alusões à pré-existência. Provavelmente, fez-se uma mistura de passagens constantes nos livros II e III.

 

Assim, portanto, quando as escrituras são cuidadosamente examinadas no que dizem respeito a Jacó e Esaú, convém dizer que não se considera injustiça da parte de Deus que, antes de terem nascido ou feito qualquer coisa nesta vida, “o mais velho sirva ao mais novo”; e também não se considera ser injustiça que, mesmo no útero, Jacó suplantou seu irmão, se intuirmos que ele foi merecidamente amado por Deus, conforme os méritos de sua vida anterior, de modo a merecer ser preferido a seu irmão; assim também é com relação às criaturas celestiais, se repararmos que a diversidade não era a condição inicial da criatura, mas que, devido a causas ocorridas anteriormente, um encargo diferente está destinado pelo Criador a cada uma em proporção ao grau de seu mérito, na verdade, foi por esse motivo que cada uma, considerando ter sido criado por Deus um entendimento ou espírito racional, ganhou para si mesma, conforme os movimentos de sua mente e sentimentos de sua alma, um maior ou menor quinhão de mérito e se tornou ou um objeto de amor a Deus ou de aversão a Ele; ao passo que, contudo, algumas delas que são possuidoras de maior mérito recebem a ordem de sofrer com outras para o agraciamento da condição do mundo e o alívio dos deveres das criaturas de nível mais baixo, a fim de que por esse meio elas próprias possam ser partícipes no esforço do Criador, conforme as palavras do apóstolo: “Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que sujeitou a mesma na esperança” (Rm 8:20-1).

 

De Principiis, livro II, cap. IX.

 

Penso eu que isso deva ser indagado a seguir, ou seja, quais as razões por que uma alma humana é regida em uma ocasião por bons (espíritos) e em outra por maus: os motivos de que eu suspeito devem ser anteriores ao nascimento físico do indivíduo, como João (Batista) mostrou ao pular e exultar no ventre de sua mãe, quando a voz da saudação de Maria alcançou os ouvidos de sua mãe Isabel; e como o profeta Jeremias declara que era conhecido por Deus antes que se formasse no ventre de sua mãe, e foi santificado antes que nascesse, e ainda menino recebeu a graça da profecia.

 

De Principiis, livro III, cap. III

 

Note que a expressão “causas/motivos anteriores” de sua “vida anterior” foi transformada em “existências passadas”, no plural, talvez para aproximar o discurso de Orígenes com a reencarnação à moda espiritualista. De qualquer forma, Mário Cavalcanti de Mello dá provas de não ter lido Contra Celso, nem De Principiis. É provável que apenas repasse o que leu em outros espiritualistas.

 

***

 

O mais estranho desses extratos usados por espiritualistas para provar que Orígenes era crente em seu sistema de reencarnação, é que todos se baseiam em Contra Celso. Nessa obra Orígenes assume o papel de apologista, de um campeão da proto-ortodoxia contra as investidas do pagão Celso. Não é de estranhar que ele defenda pontos para os quais muitos espiritualistas torceriam o nariz, como a concepção imaculada, a ressurreição à moda paulina e o combate à transmigração das almas. O mais lógico seria procurar em De Principiis, onde ele pesquisa temas ainda em aberto, como a pré-existência, mundos sucessivos, etc. Assim, ao se valerem de suspeita manipulação de trechos escolhidos a dedo de uma obra que nem de longe foi polêmica como De Principiis, os espiritualistas dão tiros em seus pés que afetam a própria credibilidade de seus autores como fontes idôneas de pesquisa.

 

 

 

15 - Mas não resolve a questão ficar “detonando” tudo o que os outros falam, na suposição de que estão mentindo, deixe isso para o Pe. Quevedo e Cia.

 

Concordo. Só acho estranho que o mesmo cuidado não tenha sido tomado com a edição de Contra Celso da editora Paulus, acusada prematuramente de ser enviesada. Não que eu esteja mandando um “tu também!”, mas apenas assinalando uma incongruência na postura dos espiritualistas. Note, também, que quando falo dos erros desse ou daquele autor, não digo que ele agiu mal intencionado, muito pelo contrário: ele apenas mostrou excessiva fé em algum outro autor de má-fé. Descobrir o início da cadeia de equívocos é o X da questão.

 

 

16 - John Dominic Crossan, professor universitário de Estudos Bíblicos, em seu livro O Jesus Histórico, desenvolve alguns critérios para autenticar os dados de pesquisa, para que o leitor fique plenamente seguro da informação recebida. Diz ele a certa altura:

 

O elemento final desta tríade é a classificação da singularidade. Esse processo consiste em se evitar trabalhar com qualquer unidade encontrada em apenas um testemunho, mesmo que seja dentro do primeiro estrato. A minha intenção é fazer com que isso funcione como uma proteção e uma garantia. Um material encontrado em pelo menos duas fontes independentes do primeiro estrato não pode ter sido inventado por nenhuma delas. (CROSSAN, 1994, p. 32).

 

Usando esse critério a seguinte citação feita por John van Auken:

 

Cada alma... vem para este mundo fortificada pelas vitórias ou enfraquecida pelas derrotas de sua vida anterior. Seu lugar neste mundo, como um vaso destinado à honra ou à desonra, é determinado por seus prévios méritos ou deméritos. Seu trabalho neste mundo determina seu lugar no mundo que se seguirá a este. Orígenes, De Principiis (185-254 d.C.) (AUKEN, Reencarnação, 2ª ed., Record, 1997, p. 153). (grifo do original).

 

É genuína, visto que Russel, Santesson, Bizemont e Pompas também citam esse trecho de Orígenes.

 

Ainda no ensino básico, aprendi que a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a 180º.  Bem, pelo menos assim eu pensava, até que um de meus primos, mais velho e bem mais experiente em matemática, resolveu me pregar uma peça: deu-me uma esfera de isopor um pouco menor que uma bola de futebol e pediu que eu desenhasse um triângulo cuja base estivesse sobre o “equador” da esfera e o outro vértice num dos polos. O ângulo desse vértice deveria ser de um quarto de volta e os segmentos que o uniriam à base seriam dois “meridianos”. Feito o trabalho, me perguntou quanto dava a soma dos ângulos internos. Eu, em minha inocência, respondi prontamente “180º”. Ante minha surpresa com o movimento negativo que ele fez com a cabeça, fui recendo as seguintes instruções:

 

- Quanto mede o ângulo do vértice do pólo?

- Bem ...360 por 4 dá 90º.

- Ótimo, agora de diga com que ângulo um meridiano corta o equador?

- Já que são perpendiculares, 90º.

- Agora diga o total!

- 270º ( 3 x 90º)  - ainda espantado.

 

Essa foi minha apresentação a uma geometria “não-euclidiana”. Até aí achava que tudo que o professor falara em aula era a representação fiel das figuras de nosso mundo, mas aquilo só era válido caso os axiomas e postulados usados por Euclides para deduzir toda a sua geometria permanecessem válidos (212). O quinto postulado (o das paralelas) não é válido numa superfície esférica, pois nela inexistem retas paralelas (213). Tudo deveria ser deduzido de novo e um teorema encontrado garante que, sobre uma esfera, os ângulos internos de um triângulo sempre somam mais que 180º (214).

 

Generalizando, qualquer teorema só é válido dentro do conjunto de premissas que permitiram sua dedução. E o que isso tem a ver com o princípio adotado por Crossan, enunciado acima? Simples, ele também impõe condições para que seja válido: [1] as duas fontes sejam do primeiro estrato e [2] sejam independentes. E aí, leitor, autores modernos não são fontes do primeiro estrato e nem são independentes. Caso tragam material em comum, ou o obtiveram da mesma fonte de primeiro estrato, ou de uma mais tardia, com maior risco ter inventado ou distorcido algo.

 

Então, pergunto se Auken, Russel, Santesson, Bizemont e Pompas são realmente independentes? Vejamos como cada um cita essa suposta passagem de De Principiis (todas as reticências estão nos originais):

 

(John van Auken, Reencarnação, Record, 2ª ed., apêndice, p. 152-3)

Cada alma... vem para este mundo fortificada pelas vitórias ou enfraquecida pelas derrotas de sua vida anterior. Seu lugar neste mundo, como um vaso destinado à honra ou à desonra, é determinado por seus prévios méritos ou deméritos. Seu trabalho neste mundo determina seu lugar no mundo que se seguirá a este.

(H. S. Santesson, Tudo sobre Reencarnação, Record, cap. V, p. 125)

Cada alma... vem para este mundo fortificada pelas vitórias ou enfraquecida pelas derrotas de sua vida anterior. Seu lugar neste mundo, como um vaso destinado à honra ou à desonra, é determinado por seus prévios méritos ou deméritos. Seu trabalho neste mundo determina seu lugar no mundo que se seguirá a este.

(Manuela Pompas, Reencarnação, Maltese, 1991, cap. II, p. 66)

A alma não tem princípio nem fim. Cada alma entra neste mundo fortificada pelas vitórias ou então enfraquecidas pelos defeitos de sua vida anterior. Seu lugar neste mundo, quase como uma moradia destinada à honra ou à desonra, é determinado pelos méritos precedentes. Sua obra neste mundo determina o lugar que terá no mundo seguinte…

(Dorthée K. Bizemont, Astrologia Cármica, Nova Fronteira, 1990, cap. I, p. 29)

Toda alma, […] vem a este mundo reforçada pelas vitórias ou enfraquecida pelas derrotas de suas vidas anteriores.

(E. W. Russel, Reencarnação – O Mistério do Homem, Artenova, 1972, p. 128)

Cada alma... vem a este mundo fortificada pelas fraquezas ou vitórias da vida anterior. Seu lugar neste mundo, como um vaso escolhido para honrar ou desonrar, é determinado pelos seus méritos ou deméritos. Seu trabalho neste mundo determina a sua vida num mundo futuro.

 

Agora, de dois autores ainda não-traduzidos:

 

(Noel Langley, Edgar Cayce on Reincarnation, Paperback Library, cap. IX, p. 165)

Every soul …  come into this world strengthened by the victories or weakened by the defeats of their previous life. Its place in this world as a vessel appointed to honor or dishonor, is determined by its previous merits or demerits. Its work in this world determines its place in the world which is to follow this.

(Joseph Head & S.L. Cranston, Reincarnation – An East-West Anthology, Julian Press Inc, 1961, parte. I, p. 36)

The soul has neither beginning nor end … Every soul …  come into this world strengthened by the victories or weakened by the defeats of their previous life. Its place in this world as a vessel appointed to honor or dishonor is determined by its previous merits or demerits. Its work in this world determines its place in the world which is to follow this.

 

A tarefa é um tanto ingrata, já que ninguém dá as coordenadas para encontrar tal citação. E justamente o fato de todos cometerem o mesmo desleixo sugere uma dependência comum. Tateando o rastro deixado, o principal candidato para origem da citação misteriosa é a obra de Joseph Head e S.L. Cranston. Manuela Pompas possui uma tradução italiana desse livro em sua bibliografia, Santesson, embora não possua bibliografia, assume na introdução de seu livro que “impõe-se manifestar a minha dívida para com Joseph Head e S. L. Cranston, de cuja extraordinária antologia, REINCARNATION, vali-me com frequência e quase impudentemente”. Langley é outro autor que não tem bibliografia, mas cita ao longo do texto alguns autores que usou. No último capítulo, ele recomenda a obra de Head e Cranston  como leitura complementar (“recommended parallel reading) e, no apêndice, revela-a como fonte para os “quinze anátemas contra Orígenes”. Ela deve ter sido a fonte para as diversas citações (ou “distorções da”) patrística encontradas no capítulo IX. Russel se liga a Head e Cranston justamente através do estudo de Langley. Auken não dá uma relação explícita com Langley, mas demonstra, assim como ele, depender muito de Edgar Cayce e de autores relacionados à fundação criada por ele (Association for Research and Enlightenment - ARE). Todas as citações patrísticas (e também a de Platão) que aparecem no apêndice de seu livro também se encontram no capítulo IX de Langley, um sinal que beberam água da mesma fonte. Por fim, resta Bizemont que, embora traga Orígenes em sua bibliografia, não dá pista alguma sobre quais edições usou para De Principiis e Contra Celso. Ao que tudo indica, também citou de “segunda mão” e, por sinal, é a única que encurta a citação, além de usar uma expressão no plural: “vidas anteriores”.

 

Cientes que não existe a alegada independência entre os autores, resta saber se a citação é real ou não, mas, quanto a isso, Head e Cranston em nada ajudam ao não oferecer nenhuma referência precisa. Também não foi possível encontrar nenhum paralelo exato com a edição de Ante-Nice Fathers, sendo possível que a citação, na verdade, se trate de um resumo das ideias contidas no final do capítulo IX do segundo livro de De Principiis.

 

Então, como não há dúvida de que no dia do julgamento o bom será separado do mal, e o justo do injusto, e todos pela sentença de Deus serão distribuídos conforme seus méritos por entre os lugares de que são merecedores, logo sou da opinião de que alguma situação tal foi anteriormente o caso, como, desejando Deus, mostraremos no que se segue. Pois se deve crer que Deus faz e ordena todas as coisas e todas as vezes conforme Seu julgamento. Pois as palavras que o apóstolo usa quando diz: “Numa grande casa não há somente vasos de ouro e prata, mas também de madeira e de barro, e alguns para honra e alguns para a desonra” (2 Tm 2:20), e as que acrescenta ao dizer: “se um homem purgar a si mesmo, será um vaso para honra, santificado e útil para o uso do Mestre em todo bom trabalho” (2 Tm 2:21), indubitavelmente assinalam isto: que aquele que se purgar quando estiver nesta vida será preparado para todo bom trabalho na que está por vir; enquanto aquele que não se purgar será, conforme seu total de impureza, um vaso para a desonra, i.e., indigno. Portanto é possível entender que houvera anteriormente vasos racionais, sejam purgados ou não, i.e., que purgaram a si mesmos ou não, e que consequentemente cada vaso, conforme a medida de sua pureza ou impureza, recebeu um lugar, ou região, ou condição pelo nascimento, ou um ofício para cumprir, neste mundo. Provendo Deus por todos esses, até o mais humilde, e, distinguindo por Sua sabedoria, organiza todas as coisas por meio do controle de Seu julgamento, conforme a mais imparcial retribuição, até que cada um seja auxiliado ou amparado em conformidade com seus méritos. No qual, certamente, todo o princípio da equidade é apresentado, enquanto a desigualdade das circunstâncias preserva a justiça de uma distribuição conforme o mérito. Porém as razões dos méritos em cada caso individual são apenas identificadas de maneira real e clara pelo próprio Deus, junto com Seu Verbo unigênito, e Sua Sabedoria, e seu Espírito Santo.

 

De Principiis, II, cap. IX

 

Quanto ao conteúdo dela em si, apenas a citação mutilada menor de Bizemont é neutra, podendo servir tanto para a reencarnação nos moldes espiritualistas quanto para o modelo inter-eras. Quando é adicionado o complemento das demais, a balança pende para o último modelo.

 

Contudo, há quem rejeite essa conclusão baseada numa noção equivocada do que seria esse “mundo que se seguirá a este” na teologia de De Principiis. Vamos ao próximo questionamento.

 

 

 

17 - Mas argumentam alhures que a forma que Orígenes acreditava na reencarnação é diferente da que nós, os espíritas, acreditamos. É melhor ver o que foi dito sobre isso no Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, mais especificamente as questões de 172 a 188, onde é discutida a reencarnação de espíritos em outros mundos.

 

 

Esse é um caso em que “focinho de porco é tomada”, ou, em linguajar mais formal, afirma-se que uma coisa é bem similar a outra graças a algumas semelhanças e se descarta qualquer grande diferença que possa surgir. Para começo de conversa, o espiritismo tem um modelo de dinâmica do universo essencialmente linear: há uma única grande era, com um processo de criação contínuo, infinito e uma evolução das criaturas sempre para frente. Todos os corpos celestes do universo seriam habitados por seres mais ou menos materiais, conforme sua evolução, e novos mundos seriam criados para abrigar novos espíritos. Tudo aponta para um sentido só, partindo de um princípio imemoriável a término nenhum.

 

No que vemos em De Principiis, o universo teria uma organização bem diferente. Estrelas e planetas não seriam  outras “moradas na casa do Pai”, mas seres que também sofreram um grau de queda de seu estado primordial. Mais que os anjos, menos que os humanos. De mundo habitado por humanos, apenas este existiria, assim como um firmamento para as estrelas e uma região celeste para os anjos e outra infernal para os demônios. A criação é finita e está alojada num universo cuja dinâmica é cíclica: cada era possui uma ressurreição e um julgamento final, cujo resultado determinará o arranjo dos seres na próxima era. Embora haja uma tendência para o retorno à beatitude original, quedas ocasionais podem ocorrer; e mesmo após uma restauração final de todos os seres, novas quedas ocorreriam cedo ou tarde.

 

E agora, já que o curso da discussão anterior mostrou que os diversos movimentos dos seres racionais e suas opiniões variáveis deram origem à diversidade que existe no mundo, devemos ver se não é apropriado que o mundo tenha um término como seu início. Pois se não há dúvida que se fim deve ser visto cercado de diversidade e variedade; tal variedade, sendo descoberta presente no termino do mundo, irá novamente fornecer fundamento e conjuntura para as diversidades do outro mundo que está para suceder o atual.

 

De Principiis, II, cap. I

 

Em suma, os espíritas advogam a existência de diversos mundos paralelos em um universo linear, ao passo que Orígenes propunha mundos sequenciais para um universo cíclico. Não faltou conhecimento de espiritismo ao opositor, já de origenismo...

 

 

 

18 – O que importa é que, em cada caso, todos os seres sempre teriam uma nova oportunidade para se redimir. . Masi res mais ou menos materiais, conforme sua evoluçue. Pois deve-se cre

 

 

Se o importante é ninguém se perder, então qualquer teologia universalista serve! O que Orígenes também tinha de enfrentar era o desafio imposto por gnósticos e marcionitas quanto à unicidade do Deus do Antigo e do Novo Testamento, o que implicaria na elaboração de uma solução para o Problema do Mal que não apelasse para nenhum argumento desses grupos. O resultado foi um sistema de uma vida única dentro de cada era e, portanto, compatível com as leituras proto-ortodoxas da Bíblia (que abarcaria apenas uma era) e oposta às que os gnósticos faziam. Não é à toa que vemos Orígenes combater a ideia de múltiplas existências numa mesma era em outras obras, como Contra Celso, e os Comentários sobre Mateus e João. Olhando por esse ângulo, Orígenes era mais ortodoxo do que muitos espiritualistas admitiriam.

 

Pois se, por hipótese, na constituição das coisas que existem desde o começo até o fim do mundo, a mesma alma pode estar duas vezes no corpo, por que causa deveria estar nele? Pois se por causa do pecado ela deva estar duas vezes no corpo, por que não deveria estar três vezes e repetidamente neles, já que as punições com relação a esta vida e aos pecados cometidos nela serão pagos a ela apenas pelo método da transmigração? Mas se isso for admitido como uma consequência, talvez nunca haja uma época quando uma alma não deva mais transmigrar: pois sempre por causa de seus pecados anteriores ela irá residir no corpo; e então não haverá lugar para a corrupção do mundo, em que “céu e terra passarão” (Mt 24:35). E se admitirmos, nessa hipótese, que uma que seja absolutamente sem pecado não venha ao corpo pelo nascimento, depois de qual intervalo de tempo se deve supor que uma alma se encontre absolutamente pura e sem precisar de transmigração? Mas, apesar disso, também se uma alma sempre estiver sendo removida do número definido de almas e não mais retornar ao corpo, alguma ocasião após um número infinito de eras, de certo modo, o nascimento cessará; sendo o mundo sendo reduzido a uma ou duas pessoas ou algumas mais, após cujo aperfeiçoamento o mundo perecerá, tendo o fornecimento de almas vindas para o corpo minguado. Mas isso não é conforme a Escritura, já que ela dá conhecimento de uma multidão de pecadores na época da destruição do mundo.

 

Comentário sobre o Evangelho de João, XIII, cap. I

 

Com uma criação finita e um tempo indefinido para o mundo, Orígenes não concebia uma forma conciliar a transmigração com a escatologia cristã (215). Imaginar múltiplas eras contornar essa dificuldade. E, com vários mundos sucessivos, a conformação deles poderia se ajustar a cada nova criação, à medida que a apocatástase se aproximasse, o que era inviável num modelo linear para o cosmo.

 

 

 

19 – Os textos em que Orígenes condena explicitamente a reencarnação são os mais tardios de sua obra, quando ele já estava idoso e, cansado das polêmicas que lhe perturbaram a carreira, queria despistar inimigos. . Masi res mais ou menos materiais, conforme sua evoluçue. Pois deve-se cre

 

 

Há quem defenda que se deva sempre atentar para a evolução das ideias de determinado autor. Em geral, suas obras mais tardias refletiriam uma mente já amadurecida e de melhor entendimento após várias discussões. Um exemplo dentro do próprio espiritismo seria a adoção que Kardec fez de ideias do evolucionismo biológico (Gêneses, cap. X), coisa que negava veementemente no Livro dos Espíritos (cap. I). Óbvio que isso é um problema quando sua última opinião desagrada mais que as anteriores. Nesse caso, podem surgir desculpas como perseguição (no caso de Orígenes), debilidade senil, etc., o que pode até ser verdade, dependendo da sustentação em fatos.

 

No caso de Orígenes, o argumento acima foi utilizado por Elizabeth Clare Prophet em Reencarnação – O Elo Perdido do Cristianismo, Nova Era, cap. XVI, p. 177, a fim de descartar a seguinte passagem Comentário Sobre Mateus:

 

Neste ponto [a identificação de João Batista com Elias], não me parece que se falava da alma de Elias, com receio eu de cair na doutrina da transmigração, que é estranha à Igreja de Deus, não sendo ensinada pelos apóstolos, nem encontrada nas escrituras.

 

Comentário sobre Mateus, Livro XI, cap VII

 

Sua alegação, porém, esbarra no uso que faz uma anterior de Orígenes, que é citada na nota de número 15, também do capítulo XVI de Reencarnação, como sendo favorável à reencarnação:

 

(...)Orígenes pode ter tido algo a acrescentar sobre a questão de se os judeus acreditavam ou não em reencarnação. Em seu comentário sobre as passagens de João/Elias em seu Comentário sobre João, ele afirma que a pergunta a João: “És tu Elias?” que eles acreditavam na metensomatose [transmigração], como uma doutrina herdada de seus ancestrais e que, por isso, não se chocava com o ensinamento secreto de seus mestres. Ele afirma também que uma tradição judaica diz que Finéias, filho de Eleazar, “foi Elias”. Talvez Orígenes tenha tido acesso a ensinamentos secretos judaicos além dos evangelhos. O Comentário de João 6.7, citado por Jean Daniélou em “Gospel Message and Hellenistic Cuture” (A Mensagem do Evangelho e a Cultura Helenica), trad. John Austin Baker, vol. 2 de “A History of Early Christian Doctrine before the Coucil of Nicaea” (A História da Doutrina do Cristianismo Primitivo antes do Concílio de Nicéia) (Londres: Darton, Longman and Todd, 1973), pp. 493-494.

 

Esquisito! O extrato de Comentário de João que usei logo acima é antirreencarnacionista. Então, vejamos o que diz o capítulo VII do sexto livro dessa obra:

 

Nosso primeiro erudito, cuja visão da transcorporação vimos ser baseada em nossa passagem, pode prosseguir com um exame mais detalhado do texto e argumentar contra seu antagonista que se João foi o filho de um homem como o sacerdote Zacarias e se nasceu quando seu pais já eram ambos idosos, contrariando todas as expectativas humanas, não é provável que tanto judeus em Jerusalém o desconhecessem, ou os sacerdotes e levitas por eles enviados não estariam a par dos fatos de seu nascimento. Não declara Lucas que “o temor veio sobre todos os que viviam por perto” (Lc 1:65), - claramente por perto de Zacarias e Isabel – e que “todas essas coisas foram divulgadas por toda terra montanhosa da Judeia”? E se o nascimento de João a partir de Zacarias foi matéria de comum conhecimento e os judeus de Jerusalém já enviaram sacerdotes e levitas para perguntar, “És tu Elias?” então está claro em dizer que eles consideravam a doutrina da transcorporação com verdadeira e que ela era uma doutrina corrente de seu país, e não estranha aos seus ensinos secretos. João, portanto, diz, “Eu não sou Elias”, porque não sabe sobre sua vida prévia. Estes pensadores, assim, cogitam uma opinião que não deve de forma alguma ser desprezada. Nosso membro da Igreja, contudo, pode replicar à alegação e perguntar se é digno de um profeta, que é iluminado pelo Espírito Santo, que foi previsto por Isaías, e cujo nascimento por pressagiado antes que sucedesse por tão grande anjo, que recebeu da plenitude de Cristo, que partilha de tal graça, que sabe que a verdade vem por meio de Jesus Cristo e ensinou coisas tão profundas a respeito de Deus e do unigênito, que está no seio do Pai, é digno de tal individuo mentir ou mesmo hesitar, em razão da ignorância do que era. Pois com relação ao que estava obscuro, ele deveria ter se abstido de confessar, e não ter nem afirmado, nem negado a proposição que foi posta. Se a doutrina [da transcorporação] fosse largamente corrente, não deveria João ter hesitado em se pronunciar sobre isto, com receio de sua alma ter realmente estado em Elias? E aqui nosso fiel apelará para a história e dirá a seus antagonistas para perguntarem aos mestres nas doutrinas secretas dos hebreus se eles na verdade sustentam tal crença. Como parece que eles não sustentam, então o argumento baseado nesta suposição se mostra muito desprovido de fundamento. [grifo meu]

Trecho em que Prophet se baseou

Parte omitida pela mesma

 

Senhores, está claro que, quando Orígenes fala de um ensino “secreto dos hebreus”, ele o coloca na boca de filósofos antagonistas. Depois ele diz com todas as letras que, àquela altura, a transmigração ainda não entrara no judaísmo místico. Quanto ao caso de Fineias, Orígenes fala ao fim do capítulo:

 

Eu não sei como os hebreus começaram a falar que Fineias, filho de Eleazar, que admitidamente prolongou sua vida ao tempo de muitos dos juízes, como lemos no Livro de Juízes (Jz 20:28), para dizer o que agora menciono. Dizem que ele foi Elias porque Deus lhe prometera imortalidade, devido à aliança concedida a ele (Nm 25:12-13) (...) .

 

Aqui fica claro que não se tratava de reencarnação, mas de uma imortalidade. Os judeus teriam confundido o “sacerdócio eterno” de Fineias e sua descendência com uma espécie de imortalidade para o próprio. Por todo o exposto acima, fica patente que Prophet não leu nada do texto original de Orígenes e, além disso, ou pinçou textos de suas fontes ou confiou demais nelas. Só falta alguns passarem a considerar Comentário sobre João como “muito tardia”, já que, agora, ela demonstra não ser mais útil para eles.

 

 

 

20 – Você deveria se basear na opinião de autores que sejam lúcidos, imparciais e abalizados, que fujam das opiniões dadas por dogmáticos que, presos a uma verdade que lhes foi imposta, não percebem que a verdade poderia ser bem outra daquilo que pretendem impor.

 

 

Não esquecerei o episódio em que J.R. Chaves irrompeu contra este portal e bradou que Procópio era “um dos maiores historiadores da história”, cujas obras indicavam que “conhecia bem Justiniano”, para logo em seguida, numa espécie de errata, lançar a suspeita de ele não relatar a morte das 500 prostitutas “por ser amigo do casal”. Depois de presenciar essa mudança de 180º na apreciação de Procópio, cheguei à conclusão do que seria, caro leitor, um autor lúcido, imparcial e abalizado: é um cuja opinião se encaixe como uma luva na sua. Por mais fracos que sejam seus argumentos, eles lhe parecerão o supra-sumo da pesquisa. Todos têm alguma tese a defender e se alguém aparenta não tomar partido de ninguém, então o que ele defende é transparente para ti, de modo que você olha uma parcialidade bem na sua frente, mas não enxerga. Talvez um sujeito realmente imparcial seja aquele que consiga desagradar a todos, claro que excluindo os que fazem isso por birra.

 

Daí alguém pode cogitar se, já que cada lado tem seus campeões, então qualquer afirmação é válida. Dá para separar fontes sólidas de enganações? Bem, posso dizer que não se compara autores, mas os argumentos que eles usam. Se um grupo de autores, ao fazer pesquisa historiográfica, é incapaz de citar de fazer qualquer referência precisa a um cronista de época; ou, nas vezes que cita, distorce textos contra a reencarnação para que pareçam o contrário - quando não inventa, edita ou condensa as palavras que lhe convém -, então fica difícil levar essa gente a sério. O pior é a possibilidade de apologistas de aferrarem a qualquer fiapo de pretensa incerteza para não abrir mão de sua bibliografia dúbia, em vez de arregaçar as mangas e realizar uma pesquisa decente.

 

 

 

21 – Mas é difícil saber o que realmente aconteceu, pois a história sempre é contada pelos vencedores!

 

 

Engano seu! Na crise origenista do século VI, temos ao menos o relato de dois perdedores: Liberato de Cartago e Facundo de Hermiano: bispos latinos que ficaram p* da vida com as maquinações origenistas que desencadearam a questão dos Três Capítulos. Pois é, a Igreja Latina também foi uma perdedora em 553 e não ficou nem um pouco de mãos dadas com o origenismo. Se isso não te satisfaz, pelo menos mostra que o origenismo estava longe de ter a aceitação que você imagina. Ainda mais no ocidente.

 

 

22 – O fato é que a reencarnação no cristianismo começou a ser perseguida por Justiniano a partir de 543...

 

O fato é que, em sua infância, o cristianismo era uma religião apocalíptica, não dando muito tempo para qualquer um reencarnar. O fato é que quando o clamor pelo fim de nossa era diminuiu, os Pais da Igreja continuaram a combater a reencarnação. Orígenes entre eles. O fato é que Orígenes nunca foi consenso e já não era bem aceito ao final do século IV. O fato é que a segunda crise origenista foi um problema local levado ao arbítrio do imperador e seu alcance nem de longe se compara ao da questão dos Três Capítulos, de quem foi contemporânea. O fato é que Teodora não teve nada a ver com esse caso. O fato é que o II Concílio de Constantinopla de forma alguma representou uma mudança de rumos na religiosidade da orla do Mediterrâneo, como fora a conversão de Constantino ou viria a ser a expansão do Islã. O fato é que tudo não passou de um mito histórico criado por espíritas/espiritualistas.

 

 

 

23 – Até parece que isso invalidaria um dos princípios do espiritismo: a reencarnação!

 

 

Realmente, a avaliação da reencarnação como fato não pode ser afetada pelo que se pensou sobre ela no passado, mas o aspecto histórico dessa crença, esse sim, será prejudicadíssimo. É muito estranho ter visto pessoas que defenderam arduamente sua visão mítica do cristianismo primevo terminar sua apologia lançando algo desse quilate. Parece que, de uma hora para outra, passaram a desconsiderar todo o valor simbólico que haveria caso sua visão fantasiosa da história fosse verdade.

 

É preciso lembrar que o espiritualismo nasceu em meio a uma cultura há séculos habituada com a ideia da “vida única”. Era mais que esperada uma reação acusando o espiritualismo (ou, mais especificamente, suas vertentes reencarnacionistas) de ser uma doutrina alienígena ao cristianismo. O contra-ataque se deu com estratégia de transformar acusador em réu, passando ele a ser a fraude histórica e o espiritualismo, a verdadeira reedição do cristianismo em seu estado mais puro. Kardec já reinterpretava versículos bíblicos adotando um viés pró reencarnação em O Evangelho segundo o Espiritismo. Leon Denis, nos primeiros capítulos de Cristianismo e Espiritismo, já tentava dar uma abordagem historicista ao tema, tendo considerado Orígenes quase que um precursor. A generalização para outros membros da patrística se deu ao longo do século XX, principalmente por ação de newagers anglófonos. Quando suas obras forma traduzidas para o dialeto de Pindorama, surgiu uma daquelas verdades que estão calcadas em mentiras repetidas ad nauseam: todo mundo cristão até o século VI era reencarnacionista!

 

Essa atitude não deixa de remeter àquela do autor da Epistola de Barnabé que, ambicionando mostrar que o judaísmo era uma religião falsa e que o cristianismo seria sua verdadeira expressão, usou e abusou  de alegorias e apelações. E note que, quando escreveu, as comunidades cristãs ainda eram diminutas quando comparadas ás bem estabelecidas colônias da diáspora. Está a história se repetindo? Sim e Não. Todo o contexto onde o cristianismo nasceu e competiu com o farisianismo não existe mais. Por outro lado, a disputa atual espelha a anterior baseada em características atemporais da natureza humana: os desejos por respeito e aceitação, nem para isso seja preciso absorver o antagonista e pegar para si toda a tradição e respeitabilidade dele. Do ponto de vista agnóstico, por mais que os religiosos esperneiem, a proto-ortodoxia cristã fez uma apropriação indébita do judaísmo e, por algumas motivações similares, espiritualistas fazem o mesmo hoje com o cristianismo tradicional e duas vezes com o judaísmo. Se serão bem sucedidos, só o tempo dirá.

 

Talvez alguém, irritado com o parágrafo anterior, saia postando no livro de visitas ou em meu e-mail uma série de citações de  O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Pastorino, José Reis Chaves, Severino Celestino da Silva, etc. Agindo assim, vai apenas “incorporar” o autor da Epístola de Barnabé e me dar razão, por mais que queira me refutar. Uma alternativa a ser explorada seria fazer uma reedição da heresia marcionistas e tornar o espiritismo um sistema verdadeiramente anew. Muitos adeptos não gostarão da ideia, afinal se intitular cristão é uma coisa e dizer que meramente segue moral cristã é outra, e bem menos chamativa. Ter que descartar o espiritismo como o “Consolador Prometido” em Jo 14:26 é mais frustrante ainda, entretanto talvez seja uma forma de reduzir os atritos com cristãos “tradicionais” se cada um “estiver na sua”, da mesma forma que poderia se cogitar um menor antissemitismo ao longo da história caso o cristianismo tivesse rompido de vez os laços com o judaísmo (216).

 

 

 

24 – Esses embustes são obras de indivíduos, não do espiritismo/espiritualismo em si!

 

 

O escritor de ficção-científica Isac Asimov registrou em seu livro A Memoir, cap. CV, um curioso diálogo que teve:

 

Lembro-me de certa vez um amigo judeu [Asimov também o era] assinalando com satisfação a alta percentagem de ganhadores do prêmio Nobel que eram judeus.

 

- Isso te faz sentir superior? – disse.

- Claro! – disse ele.

- E se eu lhe dissesse que 60% dos pornógrafos e 80% dos manipuladores trapaceiros de Wall Street  fossem judeus?

Ele ficou surpreso.

– Isso é verdade?

- Eu não sei. Inventei as estatísticas. Mas e se fosse verdade? Isso te faria sentir inferior?

 

Ele teve de pensar a respeito. É muito mais fácil encontrar razões para se considerar superior do que inferior. Mas um indivíduo é apenas a imagem refletida do outro. A mesma linha argumentativa que toma crédito individual pela conquista real ou imaginária de um grupo artificialmente definido pode ser usada para justificar a sujeição e humilhação de indivíduos pelas delinquências reais ou imaginárias do mesmo grupo.

 

E isso pode ser aplicado a coisas bem mais amenas como, por exemplo, futebol. Se um time vence o campeonato, um grupo de torcedores poderá dizer: “Ganhamos a taça!”. A questão é que nenhum deles esteve em campo ou no banco de reserva, nem sequer distribuindo isotônico aos jogadores durante o intervalo entre um tempo e outro. “Ah! Nós torcemos”. Bem, a torcida do time perdedor também se empenhou, só que, em vez de fazer um mea culpa por não ter se esgoelado o bastante, prefere bradar: “O juiz é ladrão”, “Fulano é perna-de-pau”, “O técnico é uma besta”, e outras coisas do gênero, sempre contra aqueles que efetivamente poderiam decidir a partida.

 

Essa é uma pequena amostra de uma terrível tendência humana: coletivizar méritos e individualizar fracassos. Pergunto-lhe se, por acaso, as teorias conspiratórias a respeito de Orígenes, Justiniano e Teodora fossem verdadeiras, o quanto de material de propaganda para o movimento isso não serviria? Ou melhor, está servindo, pois o mito ainda continua firme no imaginário espírita, um meme a se multiplicar continuamente nas palestras dos centros. Agora, pergunto se conseguiriam dissociar rapidamente o movimento espírita do mito quando a casa cair? Será fácil jogar toda a culpa em espiritualistas, newagers, teósofos, e assemelhados? Bem ou Mal, aceitaram uma nota falsa deles sem ao menos verificar a marca d’água e, à media que a foram repassando, ela se tornou cada vez mais entranhada em seu meio.

 

Mas lamento informar que o estrago já está feito. Talvez seja uma bomba de efeito retardado, mas ela já foi acionada e causará bons estragos se sua explosão estiver ao alcance dos ouvidos de “detratores” bem menos educados. O que se pode fazer agora é minorar os danos e parar de difundir embustes. Algum confrade poderá se gabar: “Olha só! Nós espíritas somos melhores, pois largamos uma ideia tão logo ela se mostre falsa!”. Quem sabe? A própria ciência se engana às vezes e abraça fraudes perpetradas por gente acima de qualquer suspeita. O caso do “homem Piltdown” é emblemático (217). A diferença é que, nesse último, a fraude foi descoberta por cientistas, também. Nenhum criacionista teve competência para desmascará-la. No caso do origenismo e da literatura patrística, quem deu o alerta foram justamente aqueles a quem o movimento espírita chama de “detratores”. Ironia...

 

 

 

25 – Aguarde, pois virá uma refutação arrasadora contra você!

 

 

Que “meda”! Pode até ser que venha, apesar de me considerar ao lado das melhores evidências, não sou o máximo da argumentação. Parodiando certa frase que ouvi de um antigo opositor, se a resposta a este artigo for breve, não será completa; se for completa, não será breve. Afinal este artigo, que já está imenso, ainda não esgotou todo o assunto. O que me chatearia um pouco são certas noções e atitudes errôneas que, sinceramente, desestimulam qualquer pessoa mais instruída, caso ela já não tenha chegado à conclusão de que o debate não vale o esforço.

 

·    Dar qualquer resposta:  há gente achando que resolve tudo pelo simples fato de ter escrito qualquer comentário a cada parágrafo, mesmo que seus argumentos sejam mais fracos que os supostamente refutados.

·    Tática da água: tal como um filete d’água escorrendo pelo chão, a refutação sempre percorre o trajeto  de menor resistência, contornando os pontos que seriam mais cabeludos e, ao chegar ao final, dá a ilusão de que refutou tudo.

·    Clamar vitória e pular o fora: desdobramento natural dos dois anteriores. Há também quem clame vitória só porque a outra parte parou de responder, iludindo sua “plateia” com isso, quando, na verdade, o opositor pode simplesmente chegado à conclusão de que não valia a pena continuar um freak show.

·    Regurgitar citações de “autoridades” tresloucadamente: é uma forma de impressionar os confrades leigos, intimidar “detratores” e aparentar uma erudição que você não tem. E se por acaso você a tiver, estará apenas demonstrando que não conseguiu transformá-la em sabedoria, em razão de seu uso desastrado de uma ferramenta que poderia ser útil. O maior erro é alguém querer usar autoridades para encerrar uma discussão, quando elas deveriam ser justamente o começo delas. Em outras palavras, deveríamos confrontar seus argumentos e não seus nomes. A  pior forma de usar suas reputações é mencionar alguém que não é autoridade em nada ou não é perito no ramo em discussão. Por exemplo, usar um elogio de Brian Weiss a um livro de Elizabeth Clare Prophet é irrelevante, afinal ele não é historiador. A não ser que o assunto seja terapia de vidas passadas. Outro caso “menos ruim” é quando a opinião da autoridade está longe de ser consenso ou já sofreu muitas críticas e refutações por seus pares, como o caso dos biólogos que negam ser o HIV o agente patogênico da AIDS (218). Como nesse exemplo, se há evidências que a autoridade fez mau uso de outras fontes ou usa desonestamente as estatísticas, não há razão para lhe dar crédito. No extremo oposto, solicitar uma autoridade para refutar outra é totalmente desnecessário quando a questão não requer conhecimento técnico. Se alguma “autoridade” praticou misquotation ou cherry picking (219), bastam apenas duas condições para desmascará-la: ter a fonte original e saber ler.

·    Fiar-se numa única autoridade: não que isso seja errado, a questão é que dificilmente ela coincidirá com o seu ponto de vista em todos os casos. Um exemplo interessante é o Bart Ehrman. Após a publicação no Brasil de seu livro “O que Jesus disse o que Jesus não disse”, houve um frenesi em fóruns de discussão, principalmente contra os debatedores religiosos. Só que Ehrman não tem compromisso com qualquer grupo religioso e o relato que traz das pesquisas quanto ao Jesus histórico em outros livros são capazes de frustrar até mesmo os espíritas. Só para constar: seu livro A Verdade e a Ficção em O Código Da Vinci traz muito material para defender a descrição mais ortodoxa da história, para a tristeza dos conspiracionistas. O procedimento mais adequado seria ler mais de uma autoridade, de preferência uma que “dialogue” com a primeira ou até discorde dela, e depois formar sua própria opinião. Ademais, sugiro que evite escolher a dedo esse ou aquele texto de seu autor preferido. A não ser que detenha o último exemplar de uma edição limitada, rara e esgotada, eu vou atrás dos livros que usou, só para ver até onde vai sua honestidade.

·    Atacar a forma, e não o conteúdo: há os que têm orgasmos só com a hipótese de me fazer provar do próprio veneno. “Se é um catador de erros, achemos os erros dele”, pensam. É um direito deles. Só acho muito estranho quando o tema em questão é história  (como neste artigo), física ou biologia, e o que usam para desqualificar é a formatação, o estilo ou a gramática. Talvez sejam do tipo de gente que julga as pessoas pelas roupas que vestem ou considera inteligente quem lhe cacareje o mais ininteligível “bacharelês”.  Até concordo que “primeiras impressões” são determinantes numa entrevista de emprego ou numa conquista amorosa, pois aí o tempo é restrito para se tomar uma decisão e prejulgamentos servem de atalhos, mas e quando se deseja buscar a verdade? Conseguir se comunicar já não seria o suficiente? Se numa roda de amigos os temas discutidos vão de futebol a Star Trek e alguém soltar um “nós vai” ou “a gente fumo”, seus argumentos poderão continuar perfeitamente válidos, dependendo do caso. Quanto aos livros dos autores que critico, nem me preocupo em catar esse tipo de erro, pois sei que eles muito provavelmente passaram por revisores. Acontece que também sei que a maioria de suas editoras não é acadêmica, ou seja, seus argumentos não são revisados por pares. É essa a fraqueza que acabo explorando. E, por sinal, há um lado bom para mim quando atacam apresentação do texto: os adversários provam que são incapazes de refutar meus argumentos. Não existe elogio maior que esse.

·    Questionar minhas traduções: o problema não é que haja erros em minhas traduções, mas as correções que são propostas. Há muita gente por aí que, seja por malandragem ou ingenuidade, acha que dicionário é rei. Quem manda realmente no sentido da palavra é o falante e dicionários, no máximo, tentam correr atrás dos vários usos de cada palavra. Assim, quando for traduzir qualquer coisa, verifique se o sentido que buscou se enquadra no contexto não só pedaço que quer traduzir, mas de todas as vezes que o autor faz uso dessa palavra. É ele quem decidiu seu significado, não você. Cuidado, também, com receituários de gramáticas normativas de qualquer idioma. O grego koiné popular não é exatamente a língua de Platão, nem o latim medieval segue as mesmas regras do clássico. Prefira, então, livros que deem enfoque linguístico em de prescritivo a esses idiomas, mostrando suas mutações e flexibilidades. Do contrário, vai cair na arapuca ao julgar erradas certas construções que eram perfeitamente válidas para seus falantes séculos atrás e eu terei uma boa quantidade de contraexemplos para mostrar (220).

·    Dois pesos, duas medidas: é quando o mesmo padrão de qualidade que exige dos outros não se aplica a você. Por exemplo, quando minora a gravidade das citações maquiadas feitas por espiritualistas nos textos de Contra Celso e  De Principiis. Óbvio que  defenderá que elas não influenciam tanto assim, embora grite aos quatro ventos que reencarnação foi retirada da Bíblia por escribas ortodoxos (sem provas, claro) em alguma das 400.000 alterações catalogadas. Há uma linha tênue que separa a defesa desse embuste da falácia “tu também”: a parte que acusa também reconhece estar em erro e não se orgulha disso, como um fumante que recomenda a jovens não experimentar cigarro algum, embora seu vício seja mais forte que ele.

·    Usar a Bíblia (incluindo deutero-canônicos e apócrifos) contra mim: isso só funcionaria contra adeptos da inerrância bíblica. Quando o adversário trata a Bíblia como literatura, muito apologista espírita fica sem saber o que fazer, porque, entre outras coisas, não é possível prendê-lo na armadilha de ter de lidar com contradições. Ele sabe da existência delas, pois encarar os diversos livros como “literatura hebraica clássica” e “literatura cristã primitiva” é uma visão bem diferente da que os cristãos tradicionais têm, assim como a de muitos espíritas. A própria tarefa de interpretar se torna mais abalizada. Enquanto para grupos religiosos qualquer interpretação se torna possível quando se extrai o que quiser das entrelinhas, os que adotam um enfoque literário têm de respeitar o contexto social em que os livros foram escritos. Assim, o apocalipse joanino devia ser bem mais fácil de entender para seus primeiros leitores, ainda aguardando a parúsia para a geração apostólica, do que para aqueles que creem que o mundo vai acabar no fim deste ano. Segundo Baruque apresenta um entendimento claro quando se sabe que ele foi escrito para uma comunidade ainda atordoada pela destruição do templo. Ter Jesus como profeta apocalíptico ou filósofo cínico gera resultados bem discrepantes daqueles que se teria tomando-o como o Verbo ou o espírito mais evoluído que já encarnou na Terra. Enfim, enquanto religiões modernas tentam provar sua teologia com esse ou aquele versículo – usando e abusando de alegorias -, a abordagem literária busca entender qual era a real crença de seus primeiros leitores, não hesitando em recorrer, para isso, a fontes extrabíblicas. Assim, interpretações não-condizentes com o ambiente dos personagens históricos devem ser descartadas. Por isso as leituras que gnósticos faziam de Paulo não devem ser intenção original do apóstolo. As leituras reencarnacionistas de versículos escolhidos a dedo na Bíblia não encontram respaldo, pois o conceito de gigul só ganhou fôlego no judaísmo em tempos medievais, não havendo vestígio dela no clamor apocalíptico dos textos intertestamentários. A pré-existência, sim, possui forte base nos documentos da época.

·    Desconsiderar a patrística: se a teoria conspiratória acerca do origenismo afirma a reencarnação ter sido dominante no mainstream cristão até o século VI, então é inviável descartar os escritos dos que justamente moldaram a ortodoxia da Igreja. É possível que, ao admitirem que os Pais da Igreja não lhes sejam mais úteis, os apologistas passem a execrá-los relatando os ensinos heterodoxos existentes nas obras de muitos (p.e., Justino era milenarista). Isso não deixa de ser tremenda covardia, pois a ortodoxia foi um processo de convergência que demorou séculos. O próprio Orígenes não escaparia a acusações de idiossincrasia por ter se castrado na juventude, fato que alguns não negam, embora relevem (221). Sem contar que essa atitude pode se revelar a um tiro no pé: se o grupo que viria a ser majoritário não serve nem de base para estudos, então ela deve ser buscada em livros dos que foram considerados heréticos. Por vias tortas, a pesquisa espírita entraria nos eixos. Só que eu não esquecerei que a patrística foi um dia utilizada quando era conveniente.

·    Refutar o que não discordo: isso pode ser um sinal de que não se leu o artigo direito ou não se leu tudo antes de começar a refutar. Também pode ser uma tremenda malandragem, pois, caso eu faça uma concessão a um ponto de vista espiritualista no fim de um artigo, um apologista fica tentado a começar seu texto agindo como se eu ignorasse esse ponto e terminar sua refutação das minhas explicações.

·    Refutar o que não é discutido: não deixa de ser uma variante da “falácia do espantalho” (222). Seria o caso de  refutar não um argumento meu, mas uma adaptação dele bem mais fácil para o opositor. Aqui isso apareceu quando se tentou enquadrar a reencarnação inter-eras de Orígenes no esquema de mundos múltiplos do espiritismo.

·    Cobrar demonstração de negativas: o principal caso seria exigir provar que Teodora não matou 500 prostitutas. Tal cobrança não deixa de ser uma inversão do ônus da prova, dada a incapacidade de se provar que ela efetivamente tenha matado.

·    Apelo emocional:  recurso mais eficaz quando se lida com um público em uma plateia ou por meio de recursos audiovisuais. Nesse caso o locutor vai clamar à memória da cruzada contra os cátaros (que nada tem a ver com a questão origenista), das terríveis perseguições que o espiritismo sofreu no século XX (embora ninguém tenha sido queimado ou devorado por feras, ao que eu saiba), das alterações bíblicas feitas contra o espiritismo (como se estivessem em todas as edições ou na pauta de discussão), etc. Tudo para fazer o público acreditar que o movimento se torna mais uma vez vítima de um detrator malvado. No caso da internet, isso se manifesta com textos em caixa alta, excesso de negritos, pontos de exclamação e outros artifícios que tornam a leitura um saco. Atitude também conhecida como “tentar ganhar no grito”.

·    Tática do avestruz: fingir que nunca fizeram pesquisa bibliográfica ruim, nunca pinçaram textos, nunca usaram citações errôneas de Orígenes e passar a usar as que eu expus aqui, etc. O pior é ter de ouvir um cara-de-pau assumir que fez tudo porque “os detratores também fazem”.

·    Ataque pessoal: se é apenas mais um detrator, então esse é bom para levar pedrada.

 

Obviamente, todas as más práticas acima são encontradas em maior ou menor grau nos sites apologéticos por essa internet afora. Estou dando essas dicas para poupar seu tempo e o meu, ou para que você entenda que não sou idiota para de perder meu tempo discutindo com idiotas que querem me rebaixar ao nível deles.

 

 

Notas:

 

(186) Outrora ele seria chamado de herético. Felizmente os tempos mudaram.

 

(187) No original cordially – “cordialmente”. Também pode ter o mesmo sentido que em português, mas, como  o Oxford Advanced Learner’s Dictionary registra outro uso – very much, principalmente verbos que Indicam rejeição – resolvi adaptar a expressão para outra equivalente em português.

 

(188) Via pública principal de Constantinopla à época de Justiniano. Começava perto da catedral de Hagia Sofia, passava pelos foros de Constantino, Teodósio e Arcádia, desembocando no Portão Dourado da Muralha de Teodósio.

 

(189) Cf. Procópio, Guerras,  Livro VII, cap. XXXI.

 

(190) Certa vez achei estranhíssimo alguém ficar constrangido por ter de usar um texto virtual de História Secreta, se ao mesmo tempo seu próprio artigo também era uma fonte virtual. Mesmo que a página que usou deixasse de existir, o texto de História Secreta – por ser um clássico - permaneceria em algum outro portal ou mesmo em papel. Bastaria citar o capítulo certo para ajudar em nova busca.

 

(191) É engraçado, por exemplo, ver que outros espiritualistas, interessados em denegrir Justiniano e Teodora, usam o mesmo Procópio como fonte. Por exemplo, veja esse trecho de Noel Langley, citando  a introdução de uma tradução das obras de Procópio feita por H.B. Dewing:

 

“Deve-se admitir que (...) o favorecimento imperial não era ganho pelo discurso sincero; contudo temos diante de nós um homem que não podia se obliterar o bastante para bancar o abjeto bajulador sempre; e deu-nos, também, o reverso desse brilhante retrato (em) Anecdota ou História Secreta. Aqui ele se liberta de todas as restrições de respeito ou medo e registra sem escrúpulos tudo que fora levado a suprimir ou atenuar em A História das Guerras, em razão de motivos políticos.”

 

Langley, Noel; Edgar Cayce on the Reincarnation, Papaerback Library, 1969, cap. XI, p. 189

 

Compare esse texto com o trazido pela edição portuguesa da biografia de Teodora feita por Franzero. É engraçado ver a citação de um espiritualista contradizendo a de outro.

 

(192) Sugiro a leitura da história de Machado de Assis chamada “Quem conta um conto”, publicada em sua coletânea “Histórias sem Data”. Quem quiser uma versão de internet, aqui um portal que a contém. É a curiosa investigação feita por certo cidadão na busca de um boato envolvendo sua sobrinha, onde se vê, passo a passo, como uma maledicência se origina a partir de um comentário inocente.

 

(193) O filósofo Arthur Schopenhauer, em seu livro “A Arte de Ter Razão” (ou Dialética Erística e ainda, na edição comentada por O. de Carvalho, Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão), descreveu uma série de estratagemas falaciosos a serem usados em debates e que dariam a seu usuário o poder de passar à plateia a impressão de ser mais competente que o adversário, independentemente da asneira que propusesse. Na verdade, Schopenhauer não defendia a desonestidade, como fica claro ao fim do livro, mas resolveu criar uma espécie de guia às avessas em tom irônico, justamente por estar cansado de ver tanto mau uso da retórica. No estratagema XXX - Argumentum ad verecundiam (argumento ao respeito, à autoridade) – aparece um comentário que cai como uma luva aqui:

 

O que se chama de opinião geral reduz-se, para sermos precisos, à opinião de duas ou três pessoas; e ficaríamos convencidos disto se pudéssemos ver a maneira como nasce tal opinião universalmente válida. Então descobriríamos que, num primeiro momento, foram dois ou três que pela primeira vez as assumiram e apresentaram ou afirmaram e que os outros foram tão benevolentes com eles que acreditaram que as haviam examinado a fundo; prejulgando a competência destes, outros aceitaram igualmente essa opinião e nestes acreditaram por sua vez muitos outros a quem a preguiça mental impelia a crer de um golpe antes que tivessem o trabalho de examinar as coisas com rigor. Assim crescem dia após dia o número de tais seguidores preguiçosos e crédulos.

 

De fato, uma vez que a opinião tinha um bom número de vozes que a aceitavam, os que vieram depois supuseram que só podia ter tantos seguidores pelo peso concludente de seus argumentos. Os demais, para não passar por espíritos inquietos que se rebelam contra opiniões universalmente admitidas e por sabichões que quisessem ser mais espertos que o mundo inteiro, foram obrigados a admitir o  que todo mundo já aceitava. Neste ponto, a concordância torna-se uma obrigação. E, de agora em diante, os poucos que forem capazes de julgar por si mesmos se calarão, e só poderão falar aqueles que, totalmente incapazes de ter uma opinião e juízos próprios, sejam o eco das opiniões alheias. E estes, ademais, são os mais apaixonados e intransigentes defensores dessas opiniões. Pois estes, na verdade, odeiam aquele que pensa de modo diferente, não tanto por terem opinião diversa daquela que afirma, quanto pela audácia de querer julgar pó si mesmo, coisas que ele nunca poderão fazer, sendo por dentro conscientes disto.

 

Em suma, são muito poucos os que podem pensar, mas todos querem ter opiniões. E que outra coisa lhes resta senão tomá-las de outros no lugar de formá-las  por conta própria? E, dado que isto é o que se sucede, que pode valer a voz de centenas de milhões de pessoas? Tanto, por exemplo, quanto um fato histórico que se encontre em cem historiadores, quando se constata que todos se copiaram uns aos outros, com o que, enfim, tudo se reduz a um só testemunho. (Segundo Bayle, Pensées sus les Comètes, vol. I, p. 10.)

 

Dico ego, tu dicis, se denique dixit et ille;

Dictaque post toties, nil nisi dicta vides.

 

(“Eu digo, tu dizes e, no fim, o diz também ele; depois de dar-lhe tantas voltas, ninguém mais vê aquilo que se disse.”)

 

Ah! Dizem que Schopenhauer era reencarnacionista.

 

(194) Segundo a Enciclopédia Barsa, verbete sobre Plotino, vol. XI, 1999:

 

O pensamento de Plotino foi em síntese uma reelaboração do idealismo de Platão, com notável influência de concepções cosmogônicas de Aristóteles. Seu propósito fundamental era estabelecer a relação entre o princípio espiritual da realidade, o Uno, e as coisas engendradas por ele. Segundo o sistema de Plotino, o Uno incognoscível e transcendente a qualquer definição, seria a origem de tudo o que existe, por meio de uma sucessão de emanações. A primeira deles é o Nous – o intelecto ou princípio ordenador – e a segunda é o Espírito ou Alma do Mundo, da qual participam as almas individuais aprisionadas na matéria, ordem inferior da realidade. A função primordial da filosofia seria elevar a alma, por meio do entendimento, em direção ao divino, processo do qual decorreria, em última instância, a fusão mística com o Uno. A matéria pura é o mal e o Uno identifica-se ao bem.

 

É interessante a similaridade entre esse retorno ao Uno e o final quase panteísta da Apokatastasis de Orígenes. Óbvio que, mesmo tendo se inspirado em seu contemporâneo Plotino, Orígenes teve de adaptar alguma coisa ao gosto cristão. Por exemplo, Deus (seu equivalente ao Uno) não criou coisas más e, por isso, a matéria não é ruim em essência, mas um instrumento para possibilitar esse retorno.

 

(195) E nisso se inclui a citação que Jerônimo faz na cara a Ávito, erroneamente acusada de ser pitagórica e platônica:

 

E de novo: “mas talvez este grosseiro e terreno corpo deva ser descrito como névoa e escuridão; pois ao fim deste mundo e quando for necessário passar ao outro, o similar à escuridão levará ao similar nascimento físico [ou fisicamente nascido]”. Falando assim ele claramente pleiteia pela transmigração das almas como ensinado por Pitágoras e Platão. [grifo meu]

 

E que, na verdade, é inter-eras.

 

(196) J.R. Chaves não faz tal declaração, mas, em A Reencarnação na Bíblia e na Ciência, cap. VIII, usa o mesmo trecho de Brunton citado aqui.

 

(197) Seita muçulmana, presente em partes da Síria e do Líbano, que acredita num sistema reencarnacionista sem karma: ao longo dos tempos cada alma é submetida a inúmeras experiências diferentes, não havendo relação de “causa e efeito” entre elas. Na consumação final, é feito um balanço das ações feitas em sua existência total, o que decidirá se o destino dela será o paraíso ou o inferno.

 

(198) A principal diferença entre as duas maiores correntes do islamismo – sunitas e xiitas – é sobre como deveria ser a liderança da comunidade após a morte do profeta Maomé. Os primeiros defendiam a escolha de líderes entre os membros da comunidade, ao passo que os últimos defendem que sucessão sempre pertença aos descendentes da união entre Ali e a filha de Maomé chamada Fátima. Perseguidos desde o princípio pela maioria sunita, o movimento xiita ganhou um perfil radical e uma de suas mais extremadas facções era a dos ismaelitas, crentes na figura do imã, um infalível e inspirado descendente de Ali e Fátima, por intermédio de Ismael, a ser obedecido sem objeção. No século X, o poder no Egito foi tomado por uma dinastia que alegava esse parentesco e estabeleceu o califado fatímida (de Fátima) do Cairo, para rivalizar com o califado sunita de Bagdá.

 

No tempo das cruzadas, o império fatímida entrou em declínio e foi finalmente tomado por lideranças sunitas oriundas da Síria. Pela mesma época, um grupo de ismaelitas da Pérsia, sob o comando de Hasan Ibn al-Sabbah, estabeleceu-se nas montanhas da Síria e do Líbano, onde montou um complexo de fortalezas que serviu de base para suas campanhas de conversão e ataques aos sunitas, visando restaurar o reinado fatímida. Seu principal método era o terrorismo político: membros da seita se infiltravam entre a população próxima ao alvo e, quando sua comitiva passava, tentavam matá-lo e também todos os que estivessem ao redor. O nome de “assassino” (do árabe hashshashîn), atribuído a um fiel da seita, vem de seu hábito de tomar haxixe (hashish) para praticar um atentado em estado alterado e, assim, mais imune ao medo. A seita foi extinta no século XIII, com a ascensão de uma casta de guerreiros-escravos que tomou o poder do Egito à Síria – os mamelucos - e também destruiu os últimos redutos cruzados.

 

Uma curiosidade: a palavra “assassino” chegou ao ocidente por via italiana e, até hoje, no idioma inglês (assassin) se refere a quem atenta contra a vida de pessoas importantes.

 

(199) Seita gnóstica que atribuía à serpente (do grego ophis) a missão de ter revelado o conhecimento para Adão e Eva, coisa que o demiurgo queria ocultar.

 

(200) Ordem militar da Igreja Católica cujos membros também tinham status de monges. Sua principal missão era guardar os lugares santos nas terras cruzadas e zelar pelo bem-estar dos peregrinos. Também foram usados como exército regular no combate a tropas muçulmanas. Por desenvolver sofisticada rede de abastecimento para suas tropas no Levante, a Ordem dos Cavaleiros Templários despertou a cobiça do rei francês Felipe IV e, principalmente após a perda de prestígio com o fim do ciclo das cruzadas, foi alvo de uma campanha difamatória promovida por ele, envolvendo acusações de sodomia, feitiçaria e prática secreta do islamismo. A ordem foi extinta, seu líderes queimados e seus bens confiscados. Em tempos modernos, desenvolveu-se toda uma mística em torno do destino dos templários, com direito a teorias especulativas alegando a existência de remanescentes, responsáveis por guardar o Santo Graal ou o tesouro de Salomão.

 

Por outro lado, sua ordem-irmã – os Hospitalários – sobreviveu à Idade Média, em parte por ter uma base segura em na ilha de Rode e, depois, em Malta, onde poderiam se refugiar. Além do mais, própria sorte dos templários os convenceu da importância de manterem um corpo de advogados profissionais para defender seus interesses, coisa com que seus rústicos irmãos não puderam contar. Com o tempo, o Hospital perdeu seu caráter militar e essa transição suave fez com ela praticamente não tivesse mítica alguma junto ao grande público leigo.

 

(201) “Continentais” no sentido de “pertencentes à Europa continental”, para diferenciar da maçonaria do arquipélago britânico.

 

(202) A de Geoffrey Arthur Williamson, por exemplo.

 

(203) Procópio diz: “Além disso, a punição dos samaritanos e dos chamados heréticos encheu o Império Romano com massacres”. Ao que tudo indica, os massacres não estariam localizados em um lugar específico do Oriente e poderia envolver diversos grupos de heréticos, como arianos, monofisistas, nestorianos, etc.

 

(204) Não está claro se esse número (cem mil mortos) se refere somente aos rebeldes ou também aos não combatentes mortos por ambos os lados. Malala, no livro XVIII de sua Crônica, falha em vinte mil mortos em combate e número igual vendidos como escravos, crianças entre esses. Há, também, uma quantidade indeterminada de refugiados nas montanhas que foram mortos posteriormente. São mencionadas chacinas de cristãos pelos samaritanos, tanto por Malala quanto por Cirilo de Citópolis (A Vida de Saba, cap. LXX), mas  seu total de vítimas também é desconhecido.

 

(205) Embora a narrativa de A Vida de Saba mostre monges origenistas inflamando populares contra seus pares ortodoxos, a maior parte da narrativa mostra a segunda crise como uma série de “intrigas palacianas”, com a maior parte do origenismo se difundindo dentro do monacato e seus adeptos a ocupar ou influenciar postos preeminentes. O rápido declínio do movimento após um cisma interno e a posterior destruição de suas bases sugere que ele não fincara raízes muito profundas na população palestina. Do contrário, daria tanto trabalho como foi com o arianismo dois séculos antes ou estava sendo com o monofisismo contemporâneo seu. Cirilo de Citópolis fala de uma expulsão dos monges do Nova Laura, apenas. O silêncio dos demais cronistas quanto ao destino dos adeptos do origenismo após o concílio pode sugerir que talvez não fossem  relevantes quando comparados com outras “heresias”. João de Éfeso, por exemplo, relatou em pormenores o ataque aos maniqueus feito por Justiniano:

 

Nesse tempo, descobriram maniqueus em Constantinopla e foram queimados.

 

Havia àquela época um grande número de pessoas  partidárias do erro dos maniqueus. Costumavam se encontrar em casas e ouvir os mistérios daquela doutrina impura. Quando foram presos, foram levados à presença do imperador, que tinha a esperança de convertê-los. Discutiu com eles, mas não pôde convencê-los. Com obstinação satânica, gritaram sem medo que estavam prontos para encarar o suplício pela religião de Manes e sofrer cada tortura.

 

O imperador ordenou que seu desejo fosse realizado. Foram queimados no mar para que pudessem ser sepultados nas ondas e seus bens foram confiscados. Entre eles havia mulheres ilustres, nobres e senadores. E assim muitos maniqueus pereceram pelo fogo e não quiseram deixar seus erros.

 

Sobre os pagãos que descobertos em Constantinopla sob o imperador Justiniano.

 

João de Éfeso, extrato de História Eclesiástica, vol. II, contido em [Nau, p. 481]

 

A data estimada para o episódio acima é de 545 d.C. Boa parte dos “hereges e pagãos” mortos por Justiniano deve vir de ações desse tipo, em várias partes do império. O maniqueísmo, em particular, já estava na mira imperial desde a edição do código de Justiniano, que tornou ilegal a própria existência de um maniqueu. Por outro lado, o ano seguinte marcaria o apogeu do poder origenista na Palestina, mesmo após o edito de 543 e mais de dez anos depois de Abba Saba ter alertado Justiniano. Ao que parece, o origenismo não estava entre suas prioridades. E a execução das ordens do V Concílio, como relata Cirilo, ficou a cargo do Patriarca de Jerusalém. Em suma, a segunda crise origenista foi um problema local levado ao arbítrio do imperador e, dado seu aval, solucionado no mesmo âmbito onde surgiu.

 

Se for para ser “advogado do diabo”, deve-se alertar que nem sempre a força era usada por Justiniano. O próprio João de Éfeso relata um trabalho missionário feito por ele com a ajuda do imperador, e que resultou na conversão de setenta mil pagãos [Nau, p. 482]. Óbvio que isso não funcionou com credos que possuíam doutrina mais organizada, como foi o caso dos maniqueus e samaritanos.

 

A intolerância de Justiniano era generalizada e um dissidente que abraçasse mais de uma heresia poderia ser afetado de diversas formas. Por exemplo, um acéfalo origenista (como Ascidas) seria vítima de perseguição ao monofisismo. Sem contar que certas fontes são suspeitas de tender ao exagero, como Procópio. De qualquer forma, ao especular sobre os mortos na segunda crise origenistas com as fontes que temos, corre-se o risco de computar indevidamente os mortos de outras religiões e heresias.

 

(206) Na verdade, esse conselho é válido a qualquer grupo religioso, político ou familiar.

 

(207) Paul Koetschau foi o mesmo responsável pela edição alemã de De Principiis em que se baseou a tradução em língua inglesa de Butterworth. Uma característica do texto de Koetschau foi a inclusão das citações feitas por adversários do origenismo em detrimento ao texto de Rufino. Apesar de algumas inconveniências dessa atitude (cf. [Rombs]), ela pelo menos nos garante que Koetschau não estava interessado em maquilar Orígenes. Sendo assim, Henry Chadwick, ao se basear em outra obra de Koetschau, está livre do viés que alguns poderiam querer acusá-lo, por ter sido clérigo anglicano, além de acadêmico.

 

(208) É interessante ver o uso do artigo definido nesses casos. Em ta?t?? t?? ?????, um artigo é usado junto a um demonstrativo, uma construção gramatical que não existe em português (nem em inglês), logo devendo ser adaptada. Talvez um dia eu escreva um artigo falando dessas sutilezas do artigo grego, claro que sem chances de ser tão exaustivo no assunto quanto A Doutrina do Artigo, de Middleton.

 

(209) Nesse ponto, Chadwick oferece a nota nº 7 ao rodapé da página 420, contendo uma citação de outra obra de Orígenes:

 

Cf. Origen, ap. Method. de Ressurrectione I, 22, 4-5 “Pois é necessário para alma que está existindo em lugares corpóreos usar corpos apropriados a tais lugares. Da mesma forma, caso nos tornássemos seres aquáticos e tivéssemos de viver no mar, sem dúvida seria necessário para nós adotar um estado diferente, similar ao dos peixes, então se iremos herdar o reino do céu e existir em lugares superiores, é essencial para  nós usarmos corpos espirituais. Isso não significa que nosso corpo anterior desapareça, embora ele venha a mudar para uma condição mais gloriosa.”

 

(210) José Carlos Leal, em seu livro Reencarnação, Ed. Leon Denis, 2009, p. 58, faz menção justamente a esses dois trechos de Contra Celso a partir do livro de Santesson. Sua falha seria justamente confiar demais e, por isso, passar boatos adiante. Pergunto-me quantos autores que citam Orígenes realmente têm seus livros na prateleira.

 

(211) Parece que Mário Cavalcanti de Mello atribui essa citação ao capítulo XVIII, em vez do anterior. Como o cito de segunda mão, deixo essa informação por confirmar.

 

(212) Para quem não sabe, são estes os axiomas:

1.    Duas coisas iguais a uma terceira são  iguais entre si;

2.    Se quantidades iguais são adicionadas a iguais, os totais são iguais;

3.    Se quantidades iguais são subtraídas de iguais, os restos são iguais;

4.    Coisas que coincidem uma com a outra são iguais;

5.    O todo é maior do que qualquer de suas partes.

 

E os postulados:

 

1.    Uma linha reta pode ser traçada de um ponto a outro, escolhidos à vontade;

2.    Uma linha reta pode ser prolongada indefinidamente;

3.    Um círculo pode ser traçado com centro e raio arbitrários;

4.    Todos os ângulos retos são iguais;

5.    Em um mesmo plano, por um ponto dado, pode-se traçar uma reta paralela a outra reta dada e somente uma (redação moderna do postulado).

 

Justamente por não ser tão intuitivo quanto os demais, o quinto postulado foi alvo de muita discussão e tentativas de prová-lo a partir dos anteriores. Até que no século XIX, alguns matemáticos tiveram a ideia de substituí-lo por outro que não fosse equivalente, abrindo caminho para novas geometrias, tão válidas quanto a tradicional.

 

(213) Na geometria esférica (ou de Reimann), o quinto postulado foi estabelecido de forma a não haver retas paralelas a uma reta dada. Vale lembrar que, nessa geometria, uma reta é um “círculo máximo” sobre essa esfera. Assim, lembrando as aulas de geografia, todos os meridianos seriam retas, mas, dos paralelos, apenas o equador seria.

 

(214) Para uma apresentação geral, sugiro o livro Convite às Geometrias não-Euclidianas, de Lázaro Coutinho, Interciência, 2001.

 

(215) Lembrando que o cristianismo era uma seita apocalíptica em sua infância. Orígenes não desconsiderava essa faceta de seu credo.

 

(216) Talvez o antissemitismo até aumentasse por não haver respeito algum à tradição do Antigo Testamento, já que Marcião detestava tudo que era judeu. Entretanto o mais provável, como afirma Ehman [2003, cap. V, p. 111], é que isso levaria a uma negligência benigna, com judeus e sua religião sendo considerados sem relevância e, certamente, sem chances de competir com os cristãos. “A história do antissemitismo poderia ter sido evitada, ironicamente, por uma religião antijudaica”.

 

(217) O “homem de Piltdown” foi um suposto hominídeo cujos fósseis foram encontrados em 1913 numa vila inglesa que lhe deu o nome. A reconstituição do crânio revelava uma calota craniana próxima à atual associada a uma mandíbula ainda simiesca. Desde cedo o homem de Piltdown foi um “corpo estranho” quando comparado com os hominídeos de outras partes do mundo, que revelavam um padrão oposto - crânios ainda simiescos junto a mandíbulas mais humanizadas – deixaram muitos paleontólogos posteriores com “uma pulga atrás da orelha”. A fraude foi desmascarada em 1953, quando os fragmentos foram finalmente liberados pelo Museu Britânico para análise independente e submetidos à datação radiológica, sendo os originários de humanos e símios modernos, escurecidos quimicamente. A autoria da fraude nunca foi determinada, embora haja uma lista de suspeitos que vai desde o autor da descoberta – Charles Dawson – ao zelador de geologia do Museu Britânico - Arthur Smith Woodward - nenhuma das evidências contra cada um deles chega a ser conclusiva.

 

O homem de Piltdown já é página virada na ciência e ninguém o defende hoje em dia. Ele se mantém relativamente conhecido ao grande público por ação de criacionistas que tentam mostrar que tudo na teoria da evolução é treta. Tirando a má-fé dessa gente, é até bom que esse episódio nunca seja esquecido. Aliás, ele deveria ser estudado de forma até mais aprofundada, pois o que espanta não é a fraude em si (gente querendo ficar famosa sempre existiu), mas como ela foi prontamente aceita. O principal motivo apontado para isso é que o falsificador deu aos paleontólogos o fóssil que eles queriam, i.e., um cuja conformação atestasse o desenvolvimento mais rápido do cérebro em relação aos outros aspectos da evolução humana, conforme a teoria preferida da época. Há de se pensar se o mesmo não ocorreu com os espiritualistas modernos e o mito origenista, pois ele vai ao encontro de suas expectativas.

 

Para saber mais do assunto, sugiro o livro de Kenneth L. Feder Frauds, Myths, and Mysteries – Science and Pseudoscience in Archeology, McGraw Hill, 4ª ed., cap. IV.

 

(218) Muito instrutiva a leitura do capítulo III do livro As Nove Ideias mais Malucas da Ciência, de Robert Ehrlich, publicado no Brasil pela Prestígio Editorial.

 

(219) Dois termos sem tradução específica para o português. “Misquotation, grosso modo, pode significar “má citação”, “citação equivocada” ou, criando um neologismo, “descontextualização”. Ocorre quando a citação feita de um autor omite frases anteriores ou subsequentes que mudam todo o sentido. A omissão de frases internas também pode causar o mesmo efeito com o uso indevido de lacunas, nem sempre assinaladas por reticências,  para omitir comentários cruciais para entendimento correto.

 

Um “cherry picking” (“seleção/coleta de cerejas“) consiste na escolha de argumentos ou dados de um autor que lhe sejam úteis e descarte daqueles que não lhe convêm. A misquotation  pode ser considerada um caso particular dele.

 

(220) Sugiro o livro de Sidwell para o latim medieval constante em na bibliografia e, para o grego, A Grammar of the Greek New Testment – In the Light of Historical Research, de A.T. Robertson.

 

(221) Cf. J.R. Chaves, A Reencarnação na Bíblia e na Ciência, 7ª ed., ebm, cap.VI, p. 203.

 

Isso [a mutilação dos genitais], sem dúvida, foi um erro, nem tanto, talvez para a mentalidade da época. Mas de qualquer maneira, é um exemplo de seu elevado sentimento de religiosidade.

 

Conforme relata Eusébio de Cesareia, (História Eclesiástica, livro VI, cap. VIII), Orígenes teria levado muito ao pé da letra Mt 19:12 -  Há eunucos que se castrara a sim mesmos pelo reino dos céus”. Parece que o próprio mestre do método alegórico não estava imune a coisas desse tipo. É muito questionável se isso era aceitável à mentalidade da época, ao menos na comunidade cristã, pois o bispo de Alexandria, Demétrio, invejoso dos êxitos de Orígenes e irritado por ele ter sido ordenado em Cesareia sem seu consentimento, armou um escândalo contra Orígenes, valendo-se justamente da castração voluntária.

 

(222) A falácia do espantalho (“straw man”) consiste em criar uma ideia mais fraca e fácil de refutar, muitas vezes caricatural, e atribuí-la ao adversário. Seu nome vem do hábito que se tinha de criar espantalhos fazendo as vezes de inimigos para o treinamento de soldados. Um inimigo postiço e fácil de atacar, pois não tem como reagir.

 

 

20 - Epílogo – O Fim de Dois Sonhos

 

O II Concílio de Constantinopla pareceu, à primeira vista, ser uma vitória da Igreja de Constantinopla. Havia dobrado um papa, colocado a cristandade oriental no bolso e agora o patriarcado da capital possuía uma cristologia distintiva, explicitada no oitavo anátema:

 

Se alguém usa a expressão “duas naturezas,” confessando que uma união foi feita da Divindade e da humanidade ou a expressão “a natureza feita carne de Deus, o Verbo” e então não entenda tais expressões como os santos Padres entendiam, a saber: que entre a natureza humana e a divina havia uma união hipostática, da qual há um Cristo; mas dessas expressões tentar introduzir uma natureza ou substância [feita da mistura] da Divindade e da humanidade de Cristo, que seja anátema. Pois ao ensinar que o unigênito Verbo está unido hipostaticamente à humanidade no entendemos que foi feita uma confusão de naturezas, mas, em vez disso, cada [natureza] permanecendo o que era, entendemos que o Verbo estava unido à carne. Assim, há um Cristo, tanto Deus e homem, consubstancial com o Pai ao tocar sua Divindade e consubstancial conosco ao tocar sua humanidade. Portanto, sejam igualmente condenados e anatematizados pela Igreja de Deus quem dividir ou particionar o mistério da divina revelação de Cristo ou quem introduzir confusão em tal mistério. (223)

 

O V Concílio por um lado eliminava os resquícios de nestorianismo de Calcedônia sacrificando três teólogos caros ao ocidente e, pelo outro, repreendia a confusão de “hipóstases” (pessoas da Trindade) dos monofisistas da Igreja oriental, apesar de conceder o uso da expressão “união hipostática” com a humanidade. Até foi ofertada mais uma concessão aos últimos no décimo anátema:

 

Se alguém não confessar que nosso Senhor Jesus Cristo, que foi crucificado na carne, é verdadeiro Deus e o Senhor da Glória e um da Santa Trindade: que seja anátema. (224)

 

O que assegurava que “um da Trindade sofreu na carne”, como pregava a fórmula de conciliação teopasquita (225), embora, mesmo assim, o grande feito do Concílio foi conseguir desagradar a todos. Os latinos relutaram a aceitá-lo e, inclusive, as dioceses de Milão e da Aquileia entraram em cisma, tendo a última permanecido em rompimento até o começo do século VII. Por sua vez, os monofisistas do oriente não se animaram em discutir a fórmula cristológica expressa acima. Talvez se dispusessem a fazê-lo com Anastácio ou Zenão, mas não com Justiniano, em quem já não confiavam e nem tinham mais o intermédio da falecida Teodora. O Henoticão dos antigos imperadores, pelo menos, procurava evitar dissensão, em vez de impor dogmas. Foi dado, então, mais um passo em direção à ruptura definitiva: os monofisistas começaram a se organizar em uma hierarquia paralela (226).

 

Na política, Justiniano sofreu sérios reveses que ameaçaram boa parte das conquistas dos primeiros anos de governo. A guerra na Itália, por exemplo, estendeu-se por longos anos e deixou toda a província arrasada. Roma, que ainda possuía algo de sua glória imperial, ficou em ruínas. A obsessão em reconquistar o Ocidente levou à leniência com outras fronteiras e tribos eslavas aproveitaram para invadir os Bálcãs, chegando ao ponto de ameaçar Constantinopla. No Oriente, os persas de Cosroe I (531-579) voltaram a assediar a Mesopotâmia e a Síria, forçando Justiniano a comprar a paz por um pesado encargo anual. Como se já não bastasse, o império foi assolado por uma maré de azar materializada em desastres naturais que vão desde o terremoto que arrasou Antioquia até a peste de 541-2, que despovoou as províncias e quase matou o próprio imperador.

 

Justiniano faleceu em 565 d.C., desgastado, impopular e com um império humanamente exaurido. Talvez pudesse terminar melhor seu governo caso seguisse a linha defendida por Teodora, dando mais enfoque às cultas e prósperas províncias do oriente e, claro, sendo mais tolerante com os monofisistas. Mas ela morrera na metade de seu reinado e, mesmo que tivesse sobrevivido ao marido, sua influência teria limites. Ela não era uma Cleópatra, uma Catarina da Rússia ou uma Elizabeth I – seu poder não lhe era inerente. O paralelo mais próximo que pode ser feito a ela é a figura de Evita Perón: influente, sim, porém subalterna. Por outro lado, graças a sua intransigência, Justiniano pode ser considerado, dependendo do critério que se utilizar, como o “último imperador romano”. De fato, foi um dos últimos a ter o latim como língua materna e a ter realmente alguma influência decisiva no Ocidente. Seus sucessores abandonaram as ambições de um império universal e tentavam preservar a todo custo seu legado (227).

 

Mesmo mais modesta, não era de forma alguma tarefa fácil. Três anos após sua morte, uma nova tribo bárbara – os lombardos – invadiu uma mal defendida Itália e deixou Constantinopla apenas com uma faixa central, que ia de Roma a Ravena, e o extremo sul da península. Os visigodos, por sua vez, tentavam reduzir a presença do Império no seu litoral sul. O grande desafio do império, porém, veio com o início do século VII, com o recrudescimento da ameaça parta.

 

Aproveitando-se do fim da linhagem de Justiniano com a deposição e assassinato do imperador Maurício e sua família (582-602), Cosroe II rompeu a tênue paz entre os dois impérios e lançou avassaladora campanha de conquista do Mediterrâneo Oriental. O usurpador, Focas, revelou-se um inepto a desperdiçar recursos em perseguições religiosas enquanto os persas tomavam a Síria, a Palestina, o Egito e, por fim, avançavam pela Anatólia rumo a Constantinopla. O próprio histórico de intolerância religiosa, por sinal, contribuiu para que judeus e remanescentes pagãos considerassem os persas como libertadores, uma espécie de novo Ciro a destruir a sucessora de Babilônia. Cristãos foram chacinados em Jerusalém e sua mais valorosa relíquia – a Verdadeira Cruz foi levada como troféu.

 

A reação veio da província norte-africana reconquistada por Justiniano, de onde Heráclides, o exarca (vice-rei) local, reuniu exército e frota grandes o bastante para tomar a capital. Com sua morte pouco depois, foi seu homônimo filho que levou adiante a tarefa de reorganizar o claudicante império preparar o contra-ataque, feito, por sinal, com um louvor digno dos antigos imperadores: Heráclio retomou quase todos os territórios perdidos – estando pessoalmente nos campos de batalha – e fez uma entrada triunfal em Jerusalém para devolver a Verdadeira Cruz.

 

A glória, porém, foi breve. Enquanto se digladiavam, os dois impérios destruíram dois estados-tampões – os reinos gassânida e lakhmida - que lhes serviam de linha defensiva contra as incursões de tribos nômades do deserto arábico. Isso até não teria gerado graves problemas se as tribos ainda estivessem desunidas e brigando entre si, porém algo mudara radicalmente: elas agora estavam unidas pela pregação de um recém-falecido profeta – Maomé – e altamente motivadas por seus sucessores (califas) a expandir o domínio a nova religião chamada Islã, que reunia alguns ingredientes do judaísmo e do cristianismo.

 

As hostes árabes até não eram tão numerosas de início, por outro lado tiveram a vantagem de pegar dois impérios combalidos por anos de guerras, além de saberem lutar no deserto como ninguém. Com o exército do Império do Oriente parcialmente desmobilizado e a Pérsia ainda por se recuperar devido a uma conflituosa crise dinástica, o mundo assistiu a mais rápida expansão territorial e reorganização política já feita desde Alexandre da Macedônia. A Síria caiu nas mãos dos árabes em 636, junto com a Mesopotâmia (Iraque), seguida pela Palestina (637-40). A conquista do Egito começou em 639 e a capital Alexandria caiu em 642, mesmo ano em que as batalhas de Jalula e Nehavend selaram o destino da Pérsia, cujo último rei foi morto em combate no ano de 651. O ímpeto da conquista islâmica diminuiu um pouco na segunda metade do século VII, mas prosseguiria firme por toda costa sul do Mediterrâneo e, no começo do século VIII, cruzaria o estreito de Gibraltar para dominar a Espanha (711-4) e ameaçar o reino dos Francos (732 – 740). O lado oriental não foi menos bem sucedido, estendendo o domínio do império até o rio Indo (710-3), no atual Paquistão.

 

Quando o maremoto árabe inundava o território greco-romano, Heráclio já estava envelhecido e adoentado para reagir com a veemência que teve contra os persas, o que não significou que Constantinopla desistiria passivamente de suas províncias. Tentaram-se duas malogradas expedições navais para a reconquista do Egito em 645 e 654, além de um êxito temporário em deter a conquista do Magreb (685 – 690). Os árabes contra-atacaram construindo sua própria frota e sitiaram Constantinopla por três vezes no século VII (669, 673 e 677) e só a muito custo foram repelidos. Embora a resistência tenha levantado o moral do Império, uma coisa já era patente: os árabes vieram para ficar.

 

Apesar de Constantinopla sempre ter ostentado o título de “capital do Império Romano”, a segunda metade do século VII assinalou a transição definitiva da Antiguidade tardia para a Idade Média na metade oriental do Império. Não só por transformações em suas ambições políticas passou Império do Oriente, mas também por culturais, que realçaram cada vez mais seu caráter helênico. Heráclio instituiu o grego como idioma oficial em 630 e, por fim, adotou o título de Basileu (rei, em grego) em substituição ao latino Augusto. Com a perda das províncias latinas, coptas e siríacas, o poder de Constantinopla ficou restrito praticamente aos Bálcãs e à península da Anatólia, fazendo mais jus ao nome de Império Bizantino (i.e., centrado na região de Bizâncio, o antigo sítio da capital), em vez de Romano. Nenhum esforço amplo foi feito para reverter as perdas territoriais e, excetuando alguns períodos de reerguimento – como o reinado de Basílio II (976 – 1025) –, o Império Bizantino permaneceu a maior parte do tempo na defensiva e perdendo territórios para diversos invasores, até Constantinopla ser tomada pelos turcos otomanos em 1453. O sonho de Justiniano de um império romano, cristão, ortodoxo e universal, contudo, acabara oitocentos anos antes.

 

Para os tão queridos monofisistas de Teodora, a conquista árabe também foi um divisor de águas. De início, pareceu ser vantajoso estar livre das diretrizes de Constantinopla e o jugo árabe era bem leve quando comparado com o dos antigos senhores: podiam praticar sua religião contanto que pagassem um imposto específico, em geral mais leve que as antigas taxas de Constantinopla. A segunda metade do século VII foi afortunada para o monofisismo, com a conversão de núcleos calcedonianos e a expansão da autoridade de patriarcas monofisistas (228). Só de 700 d.C. em diante é que as desvantagens da dominação estrangeira ficaram aparentes. Ao contrário do confronto constante dos grego-romanos com os dissidentes, os árabes realizaram um gradual e bem efetivo processo de assimilação dos conquistados. A conversão ao islamismo era fácil e, além de liberar de impostos, dava um status de primeira classe ao convertido; levas de imigrantes difundiram o idioma árabe, que substituiu progressivamente o siríaco e reduziu o copta a uma língua litúrgica. Era essa religião dos dominantes, de teologia mais simples e redigida em um vocabulário estranho a cuja expansão os teólogos monofisistas não conseguiam resistir. Era o fim do sonho de Teodora, pois “ao aceitar os 'ismaelitas' como instrumento de Deus para punir os calcedonianos, os monofisista não compraram sua liberdade, mas sua tumba” (229).

 

Não só de sonhos frustrados gostaria eu de falar, mas também de um pesadelo que chegava ao fim. Desde a conquista lombarda em 568, a Itália estava quase toda livre do domínio de Constantinopla e a região central – ainda nominalmente vinculada a ela – era praticamente administrada pelos papas, que, ante a debilidade dos exarcas, foram os que conseguiram auferir recursos, organizar tropas e proteger a população da Santa Sé. O Reino Franco e as Ilhas Britânicas, por sua vez, nunca estiveram sob controle bizantino. Foi, então, nessa cristandade ocidental historicamente distante das questões origenistas de sua irmã grega que o legado de Orígenes sobreviveu à Idade Média, em grande parte pelas traduções latinas de Jerônimo e, principalmente, pelo tão vilipendiado Rufino. Com o advento da Renascença, o interesse por Orígenes floresceu na obra de humanistas como o racional Erasmo de Roterdã (230) ou o místico Egídio (231). Ele teve certo desinteresse dos Reformadores por seu alegorismo (232), mas caiu nas graças de teólogos católicos da Contra-Reforma, como um exemplo de defensor da fé por sua obra Contra Celso (233).

 

Assim, gradualmente a Igreja Católica fez as pazes com Orígenes ao colocar uma pedra em cima de suas ideias mais heterodoxas. Seu verbete na Catholic Encyclopedia (publicada em 1913), por exemplo, é francamente simpático a ele, guardando, claro, ressalvas. Na segunda metade do século XX, Orígenes encontrou um importante advogado no frade Henri Crouzel, cuja obra o torna um genuíno “Pânfilo moderno” a defender o caráter ortodoxo de Orígenes e deixar o que produziu de controverso para as indefinições doutrinárias de sua época. Por fim, na audiência geral de 25 de abril de 2007, o papa Bento XVI dedicou seu catecismo a Orígenes e, entre outros elogios, teceu que:

 

[Orígenes] consegue promover de forma eficaz a ‘leitura cristã’ do Antigo Testamento, respondendo brilhantemente ao desafio dos hereges, principalmente os gnósticos e marcionitas, que opunham entre si os dois Testamentos, chegavam ao ponto de rejeitar o Antigo (234).

 

Pode-se dizer, então, que o catolicismo reproduz hoje a atitude de Jerônimo ao aceitar o comentarista e apologista, embora mantenha um pé atrás em relação ao teólogo. A diferença é ele não vive mais os conflitos íntimos do tradutor da Vulgata.

 

Notas:

 

(223) Extraído de [Percival, The Fifth Council - The Capitula of the Council].

 

(224) “Um da Trindade sofreu” – fórmula teológica usada  por monges por monges citas (i.e., naturais da Cítia - uma província na foz do Danúbio) em 519 para se opor ao nestorianismo. Em 533, Justiniano a adaptou para “Um da Trindade sofreu na carne”, o que além continuar antinestoriano, era nebuloso o bastante para ser aceito tanto por calcedonianos como por monofisistas, pois não definia exatamente qual era a relação entre o Verbo e a carne. Era uma tentativa de encontrar um substituto para o Henoticão de Zenão, que fora suprimido para agradar Roma.

 

(225) Extraído de [Percival, The Fifth Council - The Capitula of the Council].

 

(226) Cf. [Frend, cap. VII, pp. 282-3]

 

(227) Para saber mais sobre o declínio do Império Romano do Oriente após Justiniano e começo da ascensão árabe, recomendo ler [História das Civilizações, vol. II, pp. 48-50 e 68-73], [Angold, cap. III, pp. 49-51], [Lewis, cap. III, pp 59-88 e cap. IV, pp. 106-9] e [Frend, cap. IX e epílogo].

 

(228) É tradicional a visão de que os monofisistas encararam os árabes como libertadores, mas também há outra opinião:

 

Os bizantinos perderam a Síria, a Palestina e o Egito com igual rapidez. Não era muito surpreendente, considerando-se que  no início do século a Síria e a Palestina haviam estado em mãos persas durante quase vinte anos, e o Egito, durante dez. A restauração da administração bizantina ainda estava apenas num estágio preliminar quando os exércitos do Islã atacaram. A perda das províncias é muitas vezes atribuída à deslealdade das comunidades cristãs, que, segundo consta, viram os árabes como libertadores do jugo bizantino. Isso é bobagem. Essas comunidades simplesmente seguiam o que se tornara prática tradicional nas guerras com os persas: era melhor render-se e esperar o desfecho da guerra. Os bizantinos sempre haviam sido vitoriosos, mas não dessa vez.

 

[Angold, cap. III, p. 50]

 

(229) [Frend, epílogo, p. 359].

 

(230) [Backus, cap. XIV, pp. 567-9].

 

(231) [Backus, cap. XII, p. 499].

 

(232) [Backus, cap. XV, pp. 615-620] e  [Backus, cap. XVII, pp. 687-8].

 

(233) [Backus, cap. XVIII, pp. 709-710]

 

(234) Catholic News Agency, acessado em 01/08/2010.

 

 

21- Palavras Finais

 

Este artigo cresceu muito além do esperado. De início, almejava apenas traduzir as partes de A Vida de Saba correspondentes à segunda crise origenista e dar um breve complemento a ela. Esse complemento, porém, ganhou cada vez mais corpo até ficar praticamente mais importante que o texto de abertura. Não houve outro jeito, pois o tema Origenismo revelou-se tão complexo que qualquer tentativa de explanação sucinta corria o risco de cair em erros similares aos que tanto critiquei e, além disso, não é possível entender a própria evolução que a memória de Orígenes teve sem descrever o pano de fundo: as idas e vindas na consolidação da ortodoxia cristã.

 

Nos três anos em que me dediquei a este texto, vi ao longe mudanças em duas personagens que me motivaram a começar a tarefa, ainda que involuntariamente. No primeiro caso, José Reis Chaves lançou no final de 2009 o livro “A Bíblia e o Espiritismo”, que é uma coletânea de artigos seus no jornal O Tempo relacionados de alguma forma ao tema-título. Sinceramente, fiquei honrado em saber que o artigo “Críticas sem Persuasão” - justamente a maior propaganda gratuita que já me deram - é logo o primeiro. Vale assinalar que não é o artigo original postado na época, mas uma versão com as correções de uma errata, que, por sinal, piorou as coisas. Não foi à toa que fiquei contente: se Chaves concluiu dizendo que “as críticas desse site não persuadem ninguém” e ao mesmo tempo me deu esse destaque, então, de algum jeito, eu tive importância, ainda que não da forma mais producente.

 

Uma postura distinta, mas não exatamente oposta, foi tomada por Paulo da Silva Neto Sobrinho. Também profícuo articulista, Paulo Neto dedicara um artigo à questão origenista “Reencarnação no Concílio de Constantinopla - Orígenes x Império Bizantino”. Bem, na verdade, há três versões desse artigo circulando pelo veio virtual. A primeira, de 2005, transcreve textos de autores que defendem uma teoria conspiratória no século VI e não os questiona praticamente. A versão de 2007 se deu após o autor tomar ciência do pouco embasamento de alguns dos autores que utilizara. Uma sirene de alarme foi acionada e artigo ganhou mais extratos de autores espiritualistas, perdeu alguns trechos dúbios, e Paulo Neto se dedicou um pouco mais à análise de evidências, em particular, à História Secreta, de Procópio. Foi essa a versão destrinchada dois capítulos antes. A última mudança foi em 2010, e o estado atual do artigo pode ser resumido a duas palavras: concessão e cautela. Algo da primeira e um bocado da última. A historicidade do episódio de Teodora e as 500 prostitutas é vista com ressalvas, finalmente se reconhece que o “Orígenes histórico” não corresponde ao “Orígenes idealizado” por muitos espíritas/espiritualistas - embora o perfil do alexandrino apresentado ainda deixe a desejar - e admite-se que há pouca evidência para a uma alegada multidão de teólogos ortodoxos reencarnacionistas até o século VI. Sem dúvida, foi mudança e tanto de postura, mas o autor ainda é um apologista espírita e tem de cumprir esse papel. Talvez por isso não tenha esmiuçado os textos de outros autores que traz, evitando, apenas, comprometer-se com eles. Botar para valer o dedo em feridas seria pedir muito. O que mais chamou atenção, porém, foi ainda ter se detido em História Secreta, nem mesmo outras obras de Procópio foram analisadas. De 2007 para cá, traduzi praticamente todos os principais cronistas do período e, se alguém não confiar em mim, deixei referências para acessar suas obras no idioma original. Por que não usar todo esse material novo? Talvez por demandar muito mais tempo refazer o artigo do zero tenha decido fazer referência a mim (a que sou grato) e deixar ao leitor a tarefa de estudar-me.

 

Ambos os autores acima possuem seus méritos intelectuais e arriscaria dizer que isso se estenderia a outros membros do grupo apologético a que pertencem. Contudo, justamente pelo seu compromisso assumido e, em parte, por reputações estarem jogo, suas capacidades não são usadas plenamente. Um exemplo interessante de situação similar foi dado pelo próprio Orígenes.

 

Numa das poucas trocas de correspondências que chegaram até nós, preservada em Filocalia, Orígenes discutiu com Júlio Africano, um erudito cristão romano que lhe escrevera questionando a autenticidade da história de Susana e os Anciãos, no livro de Daniel, que fora objeto de um dos trabalhos de Orígenes. Júlio observa que, além de não pertencer ao texto hebraico adotado pelos judeus do século III, a história possuía um estilo que destoava do restante do livro, sendo provavelmente espúria. Orígenes não só lançou uma defesa apaixonada da canonicidade da passagem, mas também de outras como Bel e o Dragão, a Oração de Azarias e o Cântico dos Três Judeus, que existem somente na versão dos LXX. Essa carta, ainda que involuntariamente, acabou por se tornar o exemplo de quando Orígenes enfrentou uma mente tão eclética quanto a sua, ao ponto de não ter sido capaz de refutar os argumentos literários de Júlio Africano e preferir calcar sua defesa num apelo à tradição da Igreja. O irônico é que Gregório de Nissa e Gregório Nazianzeno – os compiladores de Filocalia – preservaram a carta justamente por considerarem que foi bom o desempenho de Orígenes.

 

Guardada as devidas proporções, diria que a situação de muitos apologistas espíritas é análoga: são capazes de agir com destreza contra padres e pastores – gente mais comprometida ainda e seguidores de doutrinas bem engessadas – mas têm muita dificuldade com quem não encara a Bíblia como matéria de fé e que muito menos está presa ao Sola Scriptura ou à infalibilidade papal. Muitos de seus argumentos, infelizmente, não vão além de um conhecimento emprestado e que lhes dá uma rasteira quando descobrem esse autor não é a última palavra em gramática de uma língua antiga ou aquele outro é incapaz de fundamentar sua pesquisa histórica em documentos de época, ou pelo menos em outros pesquisadores realmente embasados. Os membros desses grupos muitas vezes se exercitam com pesos de isopor por não colocar a si mesmos à prova. Falta-lhes alguém que lhes dê o contraditório, um “advogado do diabo”. Algo que só detratores (como gostam desse rótulo!) com mais musculatura e menos amarras podem oferecer.

 

Por falar em diabo, antes que me recomendem para uma longa estadia no pior lugar do umbral, lembrem-se que Satanás originalmente não era o “diabo” que hoje conhecemos e, sim, um anjo que gozava de intimidade com seu deus, cumprindo apenas seu papel de promotor. Talvez por fazê-lo tão bem, tornou-se tão detestado. Assim vejo a mim e a vocês, meus caros espiritualistas: promotor e defensor, as duas faces de uma mesma moeda e, de certa forma, a razão de ser um do outro. Nossa relação conduz ao progresso mútuo, não por simbiose, mas por pura corrida armamentista. Talvez possamos tomar uma cerveja após cada sessão, porém, diante do júri, devemos fazer o que esperam de nós.

 

Outra limitação que vi aqui foi a maneira como lidam com o tema “Orígenes” que, em vez de ser algo merecedor de atenção por si só, tornou-se apenas um artifício, uma carta na manga para ser usada em debates. Não há nada que mais deprecie um objeto de estudo que isso. Portanto, não perca seu tempo perguntando por aí afora se alguém conhece a origem para a história das 500 prostitutas assassinadas. Se tal episódio tivesse o mínimo de embasamento, alguma biografia de Teodora já deveria tê-lo mencionado, não acha? Não fique matutando entre versões conflitantes a respeito do que Orígenes realmente acreditava. Leia Orígenes primeiro e descubra quais autores fazem análises mais fundamentadas e, a partir dessa comparação, verifique qual mais se aproxima. Por fim, acima de tudo, deixe o teólogo do século III falar mais alto. Fuja da tentação de elaborar um Orígenes a sua imagem e semelhança. Se ele acreditava em abobrinhas, como a vida das estrelas e planetas, era a opinião dele e cabe a você documentá-la e entender suas motivações; nunca ridicularizá-las Se a ideia de “queda” das almas de uma beatitude original para você não condiz com o que é de se esperar de um reecarnacionista, que pregaria um começo “simples e ignorante” para todos os espíritos, lembre-se que era isso o alegado por Orígenes. Tanto defensores como opositores dele não lhe negaram essa tese e tal entendimento é ponto pacífico entre os historiadores.

 

Confesso que inicialmente também buscava em Orígenes e Teodora apenas material que me fosse útil no portal. Foi a prazerosa leitura da biografia de Evans que realmente me despertou interesse pela figura de Teodora. Não queria mais saber apenas se ela mandara 500 prostitutas para o carrasco ou não e, sim, responder a mesma indagação (ou lamento) que Procópio fez: como pôde Justiniano escolher uma atriz/meretriz quando ele tinha ao seu dispor as mais casadouras donzelas da nobreza? A resposta só pode ser uma: era uma mulher extraordinária, em todos os sentidos que essa palavra possa assumir. O fato de vir da ralé social de sua época acabou se convertendo em uma vantagem, pois Teodora aprendeu na escola da vida muitas coisas que a vasta educação formal do futuro imperador nunca ofereceria e muito menos teriam a oferecer as ricas herdeiras preparadas para a submissão. Deve ter sido uma forte atração entre opostos que, em vez de enfraquecer passada a impressão inicial, evoluiu para uma estreita simbiose.

 

Chamo-a de extraordinária, sim, porque minha admiração não é pela devassa de A História Secreta, mas pela mulher de fibra que liderou a reação contra a revolta de Nika e que também segurou as rédeas do governo quando Justiniano quase morreu da peste, pela devota monofisita tida por santa pelos seus confrades, pela mão amiga estendida à desamparada Preiecta, por aquela que financiava a liberdade de prostitutas, pela provável inspiradora das leis em prol das mulheres no Código de Justiniano e pela esposa dedicada cuja morte abalou profundamente seu marido. Enfim, Teodora vai além de uma simples obra de Procópio e os livros espiritualistas com quem me deparei não conseguiram buscá-la nas demais obras dele e muito menos em outros autores do período. Não sei se por ignorância, comodismo ou conveniência, para eles existe apenas uma “prostituta” para suas teses conspiratórias.

 

O despertar de meu interesse por Orígenes foi um pouco diferente, mas também partiu de uma pergunta capciosa: “quem foi esse indivíduo que provocava tão intensas emoções de amor e ódio, às vezes na mesma pessoa?” Foi algo estupidamente mais difícil de responder. O alcance de Teodora, bem ou mal, não foi muito além de sua vida e seu protegido movimento monofisita já estava revitalizado o bastante para continuar pelas próprias pernas. Já com Orígenes, temos o oposto:seu poder foi maior APÓS sua morte. E não era por menos, pois, ao contrário de Teodora, ele deixou vários escritos que foram lidos e relidos por gerações. Portanto, não é exagero dizer que existiram diversos “Origeneses” do século IV ao VI, ou melhor, cada grupo de teólogos relembrava Orígenes de um jeito. Estudá-lo acabou por ser algo como lidar com aquelas bonequinhas russas chamadas matrioskas: quando se abre uma, aparece outra dentro. Da mesma forma, um pequeno pormenor das crises origenistas encaminhava a análise para outro assunto. Orígenes se tornou tão instigante e desafiador por sua complexidade que, se você reler a cada cinco anos sobre os temas que o envolvem, vai sempre revisar esse ou aquele ponto sobre sua obra e de seus seguidores e detratores.

 

Então, apaixonei-me por meus objetos de estudo e maltratei muito meu cartão de crédito comprando livros que me fornecessem o máximo possível da vida, obra e época dos dois. Isso significou investir em literatura estrangeira, importada, especializada e, às vezes, esgotada das prateleiras. Mas assevero que valeu cada centavo. Lamento não ter tido desde início à minha disposição livros como When the Souls had Wings (“Quando as Almas tinham Asas”, de Terryl L.Givens) ou The Rise of Monophisite Movement “ (“A Ascensão do Movimento Monofisita, de William H.C. Frend), que fornecem informações valiosas sobre esse período turbulento da consolidação do cristianismo e,infelizmente, decidi não inserir para não ter que reorganizar a estrutura do artigo demasiadamente.

 

Há outras coisas que lamento não ter avaliado de primeira, como a necessidade de uma melhor descrição de quais teses reais de Orígenes – que deixei na forma de um link para outra página do portal, ainda insuficiente para mim, – e não ter deixado o texto A Vida de S. Saba.em apêndice, substituindo-o por um resumo na apresentação das fontes primárias. São coisas que deixariam o texto mais completo, estruturado e didático, algo para se degustado e não uma mera refutação a outros artigos.

 

Por isso, caros leitores (espiritualistas ou não), venho dizer que resolvi dar um tempo nas atualizações do resto do portal (não significando que vou abandoná-lo) e partir atrás de Orígenes e Teodora, suas pessoas históricas e seus mitos, e re-escrever todo o texto atual a partir da autocrítica que acabei de fazer:

 

http://falhasespiritismo.6te.net/textos/origenes.html

 

Isso é só um aperitivo, pois não pretendo publicar esse texto on-line. Óbvio que ele será calcado em grande parte do artigo atual e, portanto, já podem ter um boa ideia do futuro conteúdo. É por isso que lhes digo em primeira mão que me dedicarei a esse projeto pessoal a partir de agora. O portal não será abandonado, mas sua atualização ficará (ainda) mais lenta e algumas refutações que me fizeram não serão respondidas tão cedo, pois … não mexeram tanto comigo como as crises origenistas. Seria leviano estimar quanto tempo eu levarei para completar, se o acaso me permitir viver o bastante. Afinal levei três anos para uma tarefa que julgava não consumir mais que seis meses. Durante esse tempo, amadureci muito minha prosa e hoje já me considero capaz de conversar com meus leitores sobre as análises que tenho em mente, em vez de ser um mero catador de “falhas” ou compilador de citações como no início deste portal. Devo tudo isso a vocês e venho aqui deixar meu agradecimento pessoal e que possamos um dia “jogar conversa fora” em um território neutro e ameno.

 

 

Até mais e obrigado por tudo!!!

 

 

Para saber mais:

- Agostinho de Hipona, A Work on the Proceedings of Pelagius [Uma Obra sobre os Processos de Pelágio],  parte da coleção Nicene and Post-Nicene Fathers, série I, vol. V, Phillip Schaff. Acessado em 16/10/2008 na Christian Classics Ethereal Library.

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- Angold, Michael;  Bizâncio – A Ponte entre a Antiguidade e a Idade Média, Imago, 2002.

 

- Báez, Fernando, História Universal da Destruição dos Livros, tradução de Léo Schlafman, Ediouro, 2006.

 

- Ballou, Hoseas, The Ancient History of Universalism. Ed. Z. Baker, 2ª ed., 1842.

 

- Backus, Irena;  The Reception of Church Fathers in the West [A Recepção dos Pais da Igreja no Ocidente], Vol. I e II, Brill Academic Publishers, 2001.

 

- Bíblia de Jerusalém, Sociedade Bíblica Internacional e Editora Paulus, 1995.

 

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E, claro, não posso esquecer:

Capa da tradução inglesa de  R.M. Price, Cistercian Publications, 1991.

 

 

 

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